segunda-feira, 27 de junho de 2011

Do jogo ao esporte e à competição – parte II

Regras são inseparáveis do jogo assim que este adquire a chamada “existência institucional”. A partir desse momento, faz parte da cultura de um povo



Huizinga (2001) foi um historiador que analisou a importância do papel do jogo no desenvolvimento da civilização. Segundo este autor o jogo é mais antigo que a cultura e por isso afirma que a civilização humana não acrescentou qualquer característica essencial à idéia geral de jogo, e, em certo sentido, o jogo é também superior ou pelo menos autônomo em relação a ela. No entanto, o jogo constitui uma das principais bases da civilização. Huizinga também considera que o jogo tem uma função significante, ou seja, no jogo há “[...] alguma coisa ‘em jogo’ que transcende as necessidades imediatas da vida e confere um sentido à ação”. (p. 04).

Para Huizinga (2001), as teorias do jogo partem do pressuposto de que o jogo se acha ligado a alguma coisa que não seja o próprio jogo, que deve haver alguma espécie de finalidade biológica. Mas a intensidade do jogo e seu poder de fascinação não podem ser explicados a partir da biologia. Pois é nessa intensidade, fascinação, capacidade de excitar, que reside a própria essência e a característica primordial do jogo.

Poderíamos acreditar que a natureza poderia nos ter oferecido todas essas funções úteis de descarga de energia excessiva, de distensão após um esforço, de preparação para as exigências da vida, de compensação de desejos insatisfeitos etc., sob a forma de exercícios de reações mecânicos. Mas não: ela nos proporcionou a tensão, a alegria e o divertimento.

De acordo com a definição de Huizinga (2001) seguem algumas características do jogo:

1. Atividade voluntária/livre: a atividade sujeita a ordens pode ser, no máximo, uma imitação forçada. Para o sujeito adulto é uma função que facilmente poderia ser dispensada, mas se torna necessidade urgente na medida em que o prazer por ela provocado a transforma numa necessidade. O jogo liga-se à condição de obrigação e dever apenas quando constitui uma função cultural reconhecida;

2. O jogo não é vida “corrente” nem vida “real”: trata-se de uma fuga da vida “real” para uma esfera temporária de atividade com orientação própria;

3. O jogo diferencia-se da vida “comum” tanto pelo lugar quanto pela duração que ocupa – o isolamento e a limitação: o jogo inicia-se em determinado tempo e chega a certo fim em outro. Há uma limitação do espaço, de maneira deliberada ou espontânea. E, assim como não há diferença entre o jogo e o culto, do mesmo modo o “lugar sagrado” – característica primordial de todo ato culto – não pode ser formalmente diferenciado do terreno do jogo;

4. O jogo cria ordem e é ordem: a menor desobediência à ordem “estraga o jogo”.

5. O jogo é tenso: a tensão causa incerteza e os jogadores, por sua vez, se esforçam para levá-lo até um desenlace positivo, ou seja, querem “ganhar” e acabar com aquela incerteza que gira em torno do mesmo. Contudo, quanto mais estiver presente o elemento competitivo, mais apaixonante se torna o jogo;

6. Todo jogo tem regras próprias: a desobediência às regras implica a destruição do mundo do jogo, uma vez que o árbitro apita e quebra o feitiço, retorna-se à vida “real”. No círculo do jogo as leis e costumes da vida quotidiana perdem validade. Essa supressão/omissão temporária do mundo habitual é inteiramente manifesta no mundo infantil, porém não é menos evidente nos grandes jogos.

Numa tentativa de resumir as características formais do jogo, Huizinga (2001, p. 16) coloca que este é:


[...] uma atividade livre, conscientemente tomada como “não séria” e exterior à vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e total. É uma tentativa desligada de todo e qualquer interesse material, com a qual não se pode obter lucro, praticada dentro de limites espaciais e tempos próprios, segundo uma certa ordem e certas regras. Promove a formação de grupos sociais com tendência a rodearem-se de segredos e a sublinharem sua diferença em relação ao resto do mundo por meio de disfarces ou meios semelhantes.


Diferentemente de Huizinga (2001), Caillois (1990) considera o jogo a mola primordial da civilização e, por isso, o termo jogo designa não somente a atividade específica que nomeia, como também a totalidade de imagens, símbolos ou instrumentos necessários a essa mesma atividade ou ao funcionamento de um conjunto complexo. Por isso, o jogo combina em si as ideias de limites, liberdade e invenção, assim como exige atenção, inteligência e resistência nervosa. Para ele:


Os jogos são em número variadíssimos e de múltiplos tipos: jogos de sociedade, de destreza, de azar, jogos de ar livre, de paciência, de construção, etc. Apesar desta infinda diversidade, e com uma notável constância, a palavra "jogo" evoca por igual as ideias de facilidade, risco ou habilidade. Acima de tudo, contribui infalivelmente para uma atmosfera de descontracção ou de diversão. Acalma e diverte. [...] A cada novo lance, e mesmo que estivessem a jogar toda a sua vida, os jogadores voltam a estar a zero e nas mesmas condições do início. (CAILLOIS, 1990, p. 9).


De forma resumida, são as características abaixo descritas que esse autor designa ao jogo. Uma atividade:

1. Livre: porque o jogador não é obrigado a jogá-lo e, por isso, o jogo se mantém divertido, atraente e alegre;

2. Delimitada: com limites de espaço e de tempo definidos, rigorosa e previamente definidos;

3. Incerta: seu desenvolvimento não pode ser determinado nem seu resultado obtido previamente, assim como é obrigatoriamente deixada à iniciativa do jogador certa liberdade na necessidade de inventar;

4. Improdutiva: uma vez que não gera bens, nem riqueza, nem elementos novos de espécie humana, e, salvo alterações de propriedade no interior do círculo dos jogadores, conduz a uma situação idêntica à do início da partida;

5. Regulamentada: sujeita a acordos que suspendem as leis normais e que instauram momentaneamente uma legislação nova, a única que conta;

6. Fictícia: acompanhada de uma consciência específica de outra realidade, ou de franca irrealidade em relação à vida normal.

Essas várias características do jogo são meramente formais, elas não consideram o conteúdo do jogo. Contudo, as regras são inseparáveis do jogo assim que este adquire aquilo que se pode chamar existência institucional. A partir desse momento, faz parte da cultura de um povo. São elas que o transformam em um veículo, e assim os jogos ilustram os valores morais e intelectuais de uma cultura, bem como contribuem para determiná-los e desenvolver.

Disponível em: UNiversidade do Futebol
Autora: Tania Leandra

domingo, 19 de junho de 2011

O “estado de jogo”

A complexa missão de alcançar e manter a suspensão momentânea da realidade em uma partida de futebol



Numa determinada sessão de treino, é significativamente difícil ter todos os atletas focados, comprometidos, cientes dos objetivos do treino na aplicação de um determinado jogo, entendendo suas regras, compreendendo sua lógica e agindo em função do seu cumprimento.

A ação pedagógica torna-se ainda mais trabalhosa se for considerado um ambiente em que pais, mídia, diversos treinadores e os próprios atletas afirmam que os jogadores de futebol já nascem prontos e também a convivência diária com jovens promissores que, certas vezes, tomam como exemplo alguns comportamentos de atletas pouco profissionais.

Porém, como mediador de um processo de evolução do “jogar” da equipe e como agente formador (e transformador), é função do treinador extrair o melhor de cada um de seus atletas e facilitar, por meio de sua liderança, abordagem, intervenção, comportamento e didática, o acesso ao “estado de jogo”, que é um grande parâmetro de qualidade do treino para quem ensina com Jogos.

O “estado de jogo”, definido pelo Dr. Alcides Scaglia, é caracterizado pela suspensão momentânea da realidade, onde há predomínio da subjetividade em detrimento da objetividade e que o seu ambiente (contexto) irá definir o que é ou não jogo.

No plano coletivo, ao iniciar um jogo da sessão de treinamento, é objetivo do treinador que, ao soar o apito inicial, toda a equipe rapidamente alcance referida condição. No entanto, quem já utiliza o jogo como metodologia de ensino perceberá que tal objetivo nem sempre é alcançado em todos os atletas.

Nem sempre é alcançado, pois no plano individual, cada elemento (jogador) do jogo encontra-se com foco, comprometimento e nível de compreensão da atividade distintos. Equalizar estes três fatores é a missão do treinador que pode ter início a partir dos questionamentos abaixo:

É possível entrar em “estado de jogo” preocupado com problemas particulares?

É possível entrar em “estado de jogo” insatisfeito com a perda da condição de titular?

É possível entrar em “estado de jogo” o atleta que não gosta de treinar?

É possível entrar em “estado de jogo” se, minutos antes da atividade, ao invés de discutir com a equipe o comportamento para o jogo em questão, a conversa referia-se ao lazer do último final de semana?

É possível entrar em “estado de jogo” se, minutos antes da atividade, ao invés de discutir com a equipe o comportamento para o jogo em questão, o atleta fica chutando bolas para o gol?

É possível entrar em “estado de jogo” se o treino aplicado encontra-se acima da zona proximal de desenvolvimento da equipe?

É possível entrar em “estado de jogo” se o treino aplicado encontra-se abaixo da zona proximal de desenvolvimento da equipe?

É possível entrar em “estado de jogo” aplicando exatamente o mesmo treinamento por um longo período de tempo?

É possível entrar em “estado de jogo” aplicando um treino com quantidade excessiva de regras sem devida progressão complexa?

É possível manter-se em “estado de jogo” se, a todo instante, o treinador para o treino para suas abordagens?

É possível manter-se em “estado de jogo” se o treinador deixa seguir o lance em que a bola saiu do campo de jogo somente alguns centímetros, afinal a atividade “é só pra treinar”?

É possível manter-se em “estado de jogo” quando a diferença de pontos no placar fica considerável?

Para cada questionamento, existe a melhor solução a ser encontrada pelo treinador. Para equipes diferentes, soluções diferentes. Para jogadores diferentes, respostas também diferentes. Logo, a “fórmula mágica” para o acesso ao “estado de jogo” está longe de ser encontrada em livros, teses ou dissertações.

Nestas fontes, porém, podem ser encontrados os embasamentos científicos para cada ação do treinador que contribuem para atingir o mais rápido possível o “estado de jogo” e sua manutenção até o apito final. O que fazer em cada questionamento parece simples, como podem ser lidos nos exemplos abaixo:

Atletas com problemas particulares (financeiros, familiares, etc.) necessitam de abordagens para que consigam esquecer, ao menos momentaneamente, o mundo real para alcançarem o mundo do jogo.

O foco na insatisfação, e não no jogo, com certeza atrapalhará o acesso ao “estado de jogo”.

Quem não gosta de treinar (jogar) não deve ser atleta de futebol, logo, não deve fazer parte de um elenco!

No treinamento, criar procedimentos em que a concentração esteja nas atividades do dia e que quaisquer ações/conversas paralelas não cabem, é missão do treinador.

Chutar bolas para o gol quando o treino vai iniciar é uma das atividades que não cabe.

A leitura minuciosa da equipe e jogadores permitirá ao treinador a criação de jogos adequados ao nível de desenvolvimento dos mesmos.

Com a evolução da equipe, os problemas se modificam, logo, os treinos também devem se modificar.

Demorar muito tempo para compreender as regras pode comprometer o tempo de entendimento do que fazer para ganhar o jogo.

Saber quando parar o jogo é indispensável para a manutenção da suspensão da realidade.

Se a bola saiu, mesmo que alguns centímetros, ela saiu. Não estrague o jogo!

Estabelecer a cultura de não aceitar derrotas, no mais simples jogo, faz com que o “estado de jogo” termine somente no apito final.

Agora, o COMO fazer, é o desafio de cada treinador a partir da já mencionadas liderança, abordagem, intervenção, comportamento e didática.

Então, no mundo ideal, em que todos os atletas estiverem em perfeito “estado de jogo”, que é o objetivo do treinador, os problemas estarão resolvidos?

É claro que não! O “estado de jogo” só faz sentido se as devidas respostas de cada jogador para cada problema do jogo estiverem alinhadas ao modelo de jogo da equipe e a ideia de jogo do treinador.

Disponível em: Universidade do Futebol
Autor: Eduardo Barros

segunda-feira, 13 de junho de 2011

O currículo de formação do atleta de futebol - parte II

A definição de oito grandes conteúdos, objetivando a excelência do processo de desenvolvimento de talentos


Há algumas semanas, foi proposta, aos profissionais das categorias de base, a iniciativa sobre o desenvolvimento do currículo de formação do atleta de futebol. Este material deve ser elaborado com o devido alinhamento à cultura e objetivos do clube e sua aplicação é pré-requisito para o desenvolvimento de um bom processo de formação diante das tendências do mercado.

Dias após a publicação da coluna, uma entrevista com Thiago Corrêa Duarte foi postada na Universidade do Futebol e, dentre os temas discutidos, estava o D.O.M (Documento Orientador Metodológico). Thiago, coordenador técnico das categorias de base do Grêmio, é o responsável pela elaboração do material que tem como objetivo formar atletas de futebol, a partir da filosofia e cultura do clube, caracterizando o “Jogar ao Grêmio”.

Um grande clube do futebol brasileiro já é um ótimo exemplo por conter profissionais que estão se preparando e agindo diante do novo cenário futebolístico que se desenha. Os concorrentes (outros grandes clubes, times de menor expressão com tradição em categorias de base e clubes formadores emergentes) que não se adequarem a esta nova realidade correm sérios riscos de realizarem investimentos sem retorno e sustentabilidade no médio e longo prazo.

Ciente deste cenário e respeitando as limitações estruturais, financeiras, de recursos humanos, outrora comentados, a diretoria do Paulínia FC selecionou cinco profissionais, no ano de 2009, para o desenvolvimento do material denominado “Metodologia Futebol Arte”. Nele deveriam constar os conteúdos e temas relativos ao processo de formação do sub-11 ao sub-20.

Além de apontar os oito grandes conteúdos que compreendem o processo de formação, o objetivo da coluna desta semana é padronizar algumas linguagens que serão utilizadas em colunas futuras.

Antes de apresentá-los, porém, é necessária a divulgação do nome dos outros quatro profissionais que contribuíram na elaboração do referido material: Anderson Gôngora, Cristian Lizana, Erick Martins e Lucas Leonardo. Este último coordenou a produção, porém, atualmente não trabalha mais com futebol.

O tempo de início e conclusão do currículo foi de seis meses, sendo feitas três a quatro reuniões semanais de duas horas cada, com saudáveis (mas nem sempre amistosas) discussões baseadas em diversos autores que discorrem sobre o ensino dos JDC, complexidade, teoria dos jogos, além das opiniões e experiências dos integrantes do grupo e, eventualmente, dos demais profissionais do clube.

O primeiro conteúdo é a Lógica do Jogo, que norteia todo o processo de formação e que se subdivide nos seguintes temas:

• Abordar a Lógica do Jogo Formal;
• Aplicar a Lógica do Jogo Formal.

O segundo conteúdo compreende as Competências Essenciais do Jogo. Tais competências se manifestam em quaisquer jogos coletivos e quanto melhor a sua manifestação, melhor será o nível de jogo realizado. Subdivide-se em:

• Relação com a bola;
• Estruturação do espaço;
• Comunicação na ação (Leitura de Jogo).

As Referências do Jogo de Futebol fazem parte do terceiro conteúdo. Dominar as referências, de forma circunscrita ao jogo, contribui para a orientação de novas formas de cumprir a Lógica do Jogo. Este conteúdo contém como temas:

• Plataformas de Jogo;
• Referências Operacionais;
• Referências Espaciais;
• Referências Atitudinais.

O quarto conteúdo é composto pelo nível Estratégico-Tático do Jogo. A componente estratégica oferece aplicações pré-definidas pelo modelo de jogo e a componente tática, pelas emergências (problemas) do jogo e apresentam os temas abaixo:

• Estratégias ofensivas;
• Estratégias defensivas;
• Reposições de bola;
• Bolas Paradas;
• Meios Táticos.

O conteúdo seguinte é relativo às Funções no Jogo e apresenta como temas:

• Jogar em uma Posição;
• Cumprir outras Regras de Ação;
• Jogar em mais de uma Posição.

O sexto conteúdo denomina-se Relação com Companheiros e é desenvolvido em função da capacidade de jogo dos praticantes e tem como subdivisão os seguintes temas:

• Jogar em pequenos grupos (até 3 jogadores);
• Jogar em médios grupos (de 4 a 7 jogadores);
• Jogar em grandes grupos (mais de 8 jogadores).

Fisiologia e Saúde fazem parte do penúltimo conteúdo, que inclui:

• Conhecimento dos grupos musculares;
• Consciência corporal;
• Vivência em academia;
• Exercícios profiláticos.

O oitavo conteúdo é denominado Apoio Didático e é composto pelas atividades complementares extra-campo, de caráter técnico, para contribuição no processo de ensino-aprendizagem. Apresenta como temas:

• Palestras do Modelo de Jogo;
• Palestras de jogos profissionais;
• Palestras de jogos da própria equipe;
• Palestras de jogos do adversário.

Para todos estes temas (em outras colunas virão os sub-temas), estabeleceram-se “pesos” subjetivos, de 0 a 5, que foram distribuídos, para aplicação no processo de treinamento, entre todas as categorias do clube. Quanto maior o “peso”, maior a importância da aprendizagem do tema. Para alguns temas, a letra “X” substitui a presença do número indicando que determinado conteúdo já foi aprendido pela categoria. O número zero indica que determinado tema não deverá ser abordado.

Ainda sobre a interpretação do currículo, outro ponto é de fundamental importância e se refere às dimensões do aprendizado. Para isto, os termos “conhecer, vivenciar e aprender” correspondem aos primeiros contatos com cada tema e a abordagem do treinador deverá ser constante para assimilação dos objetivos propostos nas atividades. Realizado o contato inicial, a “aplicação” e “aperfeiçoamento” deverão ser observados para excelência e acomodação do aprendizado, inclusive quando determinado tema não for o objetivo específico da atividade. E, por último, “dominar” o tema com a maior competência possível na sua execução.

Para finalizar, é válido salientar que o currículo do Paulínia FC não é um documento fechado, pronto e que não receberá alterações. É apenas um material de desenvolvimento de um processo de formação que, com exceção do sétimo conteúdo, Fisiologia e Saúde, utiliza o “jogo” como método de ensino. Sua aplicabilidade (lembrando que tem somente um ano e meio de existência) está sendo observada para que adequações sejam feitas e possíveis equívocos, sanados. Outra consideração refere-se às limitações de toda a gestão que refletem com maior ou menor magnitude no trabalho de campo.

No entanto, não é possível aguardar o “mundo ideal” para serem dados os primeiros passos de uma longa e trabalhosa caminhada. Caminhada, em que muitas questões, acertos e erros serão discutidos com profissionais do futebol dispostos a compartilhar conhecimento.

Disponível em: Universidade do Futebol
Autor: Eduardo Barros

domingo, 5 de junho de 2011

Importância da preparação física na periodização tática

Treino mais ou menos descontínuo depende de séries, volume, pausas satisfatórias ou não e devem ser montados em conjunto para que todas as sessões ganhem em evolução

Os estudos e vivências atuais do futebol demonstram a importância do uso da periodização tática na preparação de equipes profissionais. Este método deixa um pouco de lado as sistematizações com relação às porcentagens de carga de treinamento, características dos microciclos, etapas, etc. Sabemos que na periodização tática as programações são feitas em cima da preparação para o jogo posterior e baseada num microciclo padrão, mais conhecido por morfociclo.

Pelo fato de não se enfatizar os períodos de aquisição de forma visando picos de forma de acordo com o desenvolvimento das capacidades físicas e pelo trabalho ser voltado completamente ao sistema de jogo imposto pelo treinador, o preparador físico parece ter o seu trabalho reduzido neste processo.

O treinador José Mourinho usa o termo “treinador adjunto” para a função de seu preparador físico, excluindo da metodologia sessões isoladas para o desenvolvimento das capacidades físicas. Oliveira, 2006 cita em seu livro, explicando a metodologia de Mourinho e ressaltando que suas equipes não treinam em academia e não realizam sessões de treino voltadas para resistência como os conhecidos tiros de 1000m, corridas contínuas, entre outros tipos de treino e cita o uso da sala de musculação apenas para atletas que estão voltando de lesão. Porém temos que considerar e comparar o nível de força e técnica dos atletas que ele tem em mãos além da tecnologia que possuem com relação a dados individuais que são usados como ferramenta de trabalho nas montagens de sessões e conhecimento do grupo.

A partir das colocações acima podemos relacionar várias situações de importância do preparador físico no processo. Por exemplo, a importância na montagem das sessões com relação às orientações das cargas, se o treino é forte, moderado ou leve, quais capacidades físicas trabalham em especificidade e concorrência, o tempo de recuperação de um treino para o outro fazendo com que o atleta execute as sessões sempre descansados e buscando atingir a perfeição, as recuperações pós-jogo, os trabalhos de hidratação que competem às fisiologistas, porém podemos auxiliar e em equipes de pouca estrutura temos que nos responsabilizar.
Na sequência, explicarei a nossa importância com relação aos problemas citados acima:

Orientações de carga: os treinadores sabem com relação à aplicação do esquema tático e impõem seu método de aplicação buscando o melhor entendimento possível por parte dos atletas, porém não sabem na maioria das vezes como quantificar um treinamento de acordo com a fonte energética predominante e na periodização tática nos deparamos com diferenças entre as fontes, principalmente no morfociclo. Um treino mais ou menos descontínuo depende de séries, volume, pausas satisfatórias ou não e devem ser montados em conjunto (treinador e preparador físico) para que todas as sessões ganhem em evolução.

Treino forte, moderado ou leve: saber identificar a intensidade do treino na modalidade futebol é realmente complicado. Às vezes um treino extenso não é forte e vice-versa. A intensidade está relacionada à carga emocional imposta no treinamento. Porém, o preparador físico tem um feeling melhor para relacionar a carga do treino anterior com a sua recuperação para a próxima sessão, estabelecer o tempo correto de recuperação de um treino para o outro, mudar a programação de todos ou alguns jogadores durante a preparação para o jogo. Saber o momento que o jogador está se sentindo mais desgastado e este desgaste pode acumular de forma negativa para o jogo em preparação. Na periodização tática, como citado acima, os treinos e semanas são caracterizadas dessa forma, pois não conseguimos determinar porcentagens, muito menos relacionar os microciclos às características existentes nas literaturas.

Treinamentos específicos: planejar sessões de treinamento específicas, que adaptem os atletas e que os preparem para os desafios e dificuldades do jogo é uma das partes mais importantes no planejamento de uma comissão técnica. Como sabemos o treino não é composto apenas de parte principal e podemos evoluir trabalhando em especificidade no aquecimento, estimulando a força específica de alguma forma dentro do modelo de jogo, minimizando os riscos de lesões freqüentes, entre outras importâncias sabendo dosar as intensidades de acordo com o momento do macrociclo. Nem sempre todos os atletas conseguem se adaptar ao esquema, ou sentem e sentimos que para aquele atleta ainda falta algo mais e temos que complementar em especificidade, dentro das exigências da posição. Um dos grandes problemas que os clubes encontram é a heterogeneidade dos grupos, ou seja, o grupo não se apresenta por completo no dia determinado, atletas chegam 10 dias depois, outros 20, vindo de um mês de inatividade, outros vindo de lesão, outros saindo de uma competição, treinamentos extras, entre outros problemas que dependem da identificação e do feeling do preparador físico.

Concorrência nos treinamentos: ao estudarmos treinamento desportivo aprendemos que as capacidades físicas se desenvolvem melhor trabalhadas isoladamente. Aprendemos também que determinadas capacidades trabalhadas na mesma sessão uma após a outra podem prejudicar nos ganhos das mesmas, como por exemplo, se trabalhar velocidade após resistência. Porém, no futebol não temos como escapar da concorrência quando defendemos a especificidade como princípio fundamental no processo de treinamento e de vitórias. O futebol é um desporto intermitente e durante o período de jogo exige de todas as capacidades físicas em especificidade; com isso, se queremos preparar bem nossos atletas e em especificidade, temos que ir contra a literatura e trabalhar de forma concorrente, mas até isso tem que ser programado de forma inteligente. O preparador físico se torna importantíssimo e responsável no processo.

Recuperação pós-jogo e treino e hidratação: normalmente este processo é de responsabilidade do fisiologista, porém em equipes menores esta função tem que ser exercida pelo preparador físico e da mesma forma os atletas tem de estar da melhor maneira possível recuperados para o treino ou jogo posterior. Suplementar, alimentar, conscientizar os atletas destas importâncias acaba sendo de responsabilidade do preparador, ou seja, nosso trabalho nos bastidores é fundamental no processo.
Finalizando este texto, ao saber da sua real importância na metodologia da periodização tática, o preparador físico se torna peça fundamental no processo, mesmo sem aplicar sessões isoladas para desenvolvimento físico e interpretando que o treinamento específico dentro do sistema de jogo também tem exigências físicas e o condicionamento está totalmente ligado à adaptação, sendo que ao se adaptar o atleta consegue render melhor fisicamente para a equipe. Estou aberto a discussões e a novos estudos sobre a preparação física na periodização tática.

Disponivel em: Universidade do Futebol
Autor: Rafael Cotta