quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Pliometria para o Desenvolvimento de Força no Futebol

Tipo de ação muscular que gera estiramento mesmo contraindo é a ação excêntrica. Mas como ser efetivo?


Entre as capacidades motoras necessárias para a prática do futebol estão a força rápida, também chamada de força explosiva e a velocidade. Das diferentes estratégias utilizadas para o desenvolvimento dessas capacidades, sem dúvida, a pliometria é uma das mais importantes.

Ao contrário do que muitos imaginam, pliometria não significa simplesmente saltar. O termo plio significa “maior” e o termo metric se refere a “média”. Ambos são oriundos do vocabulário grego pleytein que também significa “aumentar” e, portanto, pliometria significa aumentar o tamanho da musculatura.

Nesse tipo de exercício o músculo esquelético deve ser “aumentado” como se estivesse alongando ao mesmo tempo que se contrai e por mais paradoxo que isso possa parecer, do ponto de vista mecânico é perfeitamente possível.

Esse tipo de ação muscular que gera estiramento mesmo contraindo é chamado de ação excêntrica e é um dos requisitos essenciais do treino pliométrico.

Nesse tipo de ação o ciclo alongamento-encurtamento do músculo esquelético deve ser aproveitado ao máximo e essas ações excêntricas agirão como freios à medida que são acionadas a favor da ação gravitacional, por exemplo.

Do ponto de vista neural, a vantagem dessas ações é que a via motora do Sistema Nervoso Central consegue recrutar mais rapidamente as fibras musculares do Tipo IIX (que são mais rápidas e mais potentes do que as outras fibras musculares), as quais possibilitarão ao músculo gerar mais força o mais rápido possível.

Do ponto de vista metabólico essa ação é vantajosa pelo fato de o estiramento das estruturas contráteis (filamentos fino e espesso) gerar contração sem gasto de energia (contração passiva), ao passo que as estruturas elásticas (tendão, epimísio, perimísio, endomísio e titina) “acumulam” energia elástica. Essas duas respostas otimizam a transformação de energia química (ATP) em energia mecânica (ação concêntrica – ativa) fazendo com que o trabalho muscular seja mais eficiente na ação muscular concêntrica subsequente.

Para que a transferência de energia elástica em energia mecânica seja feita de forma ótima a mesma deverá ocorrer o mais breve possível (normalmente abaixo de 200ms). Caso isso não corra, a energia elástica será dissipada em forma de calor e ao invés de otimizar o trabalho muscular irá prejudicá-lo.

Apesar de extremamente vantajoso para o ganho de impulsão e de velocidade, na prática, para que o trabalho de pliometria seja efetivo, torna-se imprescindível:

i) adaptar a musculatura do atleta a esse tipo de treino;
ii) determinar a altura ideal dos saltos a serem realizados;
iii) minimizar o tempo de contato com o solo;
iv) realizar as ações motoras sem sinais de fadiga.

Caso esses itens sejam negligenciados, ao invés de melhora da força rápida, o atleta poderá ficar mais lento, menos econômico, menos eficiente e aumentar suas chances de lesão muscular.

Autor: César Cavinato
Disponível: Universidade do Futebol

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

TIPOS DE MARCAÇÃO

A marcação por zona permite um maior controle do jogo defensivo; e paralelamente as acções ofensivas de ataque e de contra-ataque podem se tornar mais objetivas mediantes a jogadores habilidosos e bem posicionados.

A marcação por zona pode ser realizada pela bola, companheiros (com ou sem bola), adversários ou posicionamento global da equipe (zona de campo passiva ou ativa).

Os princípios operacionais de Bayer (1994), se dividem em três princípios de ataque e três de defesa. Os de ataque são: conservação da posse de bola, progressão em direção ao alvo adversário e a finalização, buscando o gol. Os princípios de defesa são: recuperação da bola, impedimento da progressão da equipe adversária e proteção do próprio alvo.

Veremos abaixo alguns tipo de marcação:

Marcação Individual


A marcação individual caracteriza-se pelo confronto direto entre dois jogadores, o chamado homem-a-homem (1x1). Há uma definição prévia de marcação, onde cada jogador fica responsável pela marcação de um adversário (Mutti, 1994), fato que "força" o virtuosismo técnico, o individualismo. O posicionamento da equipe defensora é em função dos jogadores adversários. Esta marcação pode ser realizada na quadra toda ou somente na meia-quadra defensiva.

Pontos positivos:

• Diminui a opção do passe, forçando o erro adversário;
• Maior desgaste físico dos adversários pela necessidade de maior movimentação em busca de espaços;
• Dificulta o chute de longa distância;
• Reduz o tempo de posse de bola do adversário;
• Diminui o tempo de reação do adversário para refletir sobre a jogada.

Pontos negativos:

• Grande desgaste físico dos defensores, proporcional à movimentação dos atacantes;
• Abre o meio da quadra, facilitando lançamentos, infiltrações e "bolas nas costas";
• Dá maiores possibilidades de vantagem numérica ao adversário, na ocorrência de um drible, dificultando a recuperação e a cobertura.

Marcação Pressão


Diferentemente da marcação por zona que espera o erro adversário para pressionar, a marcação pressão pressiona para forçar o erro. Esta marcação é a única caracterizada pelo avanço dos defensores até a Área 3 (Área de Ataque).

Sua utilização ocorre quando a equipe está em desvantagem no placar e o jogo está próximo do fim; quando a equipe adversária apresenta dificuldades de movimentação ofensiva (capacidade técnica e/ou tática inferior) a fim de pressionar para não deixá-los jogar; ou quando um time possui um elenco de jogadores ágeis, rápidos e em ótima forma física (Mutti, 1994).

Cada jogador fica responsável por um adversário e o "persegue" por toda a quadra, pra onde quer que ele se desloque (marcação homem-a-homem). É importante esperar a reposição de bola do goleiro para depois avançar pressionando, pois o avanço prematuro facilitará o lançamento de bola do goleiro para o pivô diretamente.

Meia Pressão


É uma marcação parecida com a marcação pressão, porém os defensores não invadem a Área 3 (Ataque). Eles esperam os adversários na Área 2 encostando, seguindo e diminuindo o espaço dos atacantes a partir daí.
Somente o homem de posse da bola é pressionado (Mutti, 1994). Isto diminui o desgaste físico dos defensores em relação à marcação pressão, mas aumenta o tempo de reação dos atacantes.

Cada defensor fica responsável por um adversário (homem-a-homem também), mas, além disso, precisa fechar o meio quando não estiver marcando o homem da bola.

Às vezes podem ocorrer trocas de marcação, em virtude do rodízio da equipe adversária, mas estas devem ser bem comunicadas pela equipe.

Marcação por Zona


Marcação caracterizada pelo posicionamento à meia-campo, ou melhor, nas Áreas 1 e 2 (Defesa e Intermediária) - sempre atrás da linha da bola; pelas constantes trocas de marcações; e pela espera do erro adversário para roubar a bola e contra-atacar. Na maioria das vezes, estes contra-ataques são perigosos, pois pegam a defesa adversária desestruturada - na transição do posicionamento ofensivo para o defensivo. Neste tipo de marcação, cada defensor é responsável por determinada zona do campo e pelo adversário que estiver nela (Mutti, 1994). O posicionamento dos defensores ocorre em função do deslocamento da bola (Bayer, 1994).

É uma marcação utilizada quando a equipe adversária apresenta rápida e complexa movimentação, tem bons passadores, ótima técnica e condução de bola, um bom nível de treino ou quando o placar é desfavorável aos adversários.

Pontos Positivos:

• Facilita a cobertura e a recuperação no caso do drible;
• Menor desgaste físico dos defensores;
• Proporciona perigosos contra-ataques;
• Impossibilita as "bolas nas costas";
• Fecha o meio do campo;

Pontos Negativos:

• Possibilita o chute de longa distância;
• Aumenta o tempo de posse de bola do adversário;
• Encobre parcialmente a visão do goleiro.

Dentro do campo de jogo existem 3 zonas de marcação:

Zona de Pressing Baixa - Deve-se defender perto da nossa baliza, deixando o adversário ter o controlo do jogoDeve a nossa equipa em termos ofensivos adoptar um sistema de contra ataque.

- Zona de Pressing Media - Deve-se deixar o adversário sair a jogar, evitando que este ultrapasse o meio campo com a bola em seu poder. O domínio do jogo é repartido, existindo algum espaço após a equipa recuperar a bola.

- Zona de Pressing Alto - Deve-se defender o mais próximo possível da baliza do adversário, impedindo que este possa construir o seu jogo.

Pode a nossa equipa ser alvo de contra-ataques por parte do adversário devido ao espaço existente deixado nas costas da defesa.

Quanto aos aspectos favoráveis relativamente a marcação à zona é que obriga o adversário a não estar cómodo em jogo.

Segue abaixo algumas atividades para o desenvolvimento da marcação à zona:

Descrição

- Atividade de 4 X 4, em que o objetivo é a proteção do espaço demarcado e dos cones.

Regras e Pontuação

- Se a equipe derrubar os cones, marca 1 ponto.
- Se algum jogador da equipe conseguir entrar na área demarcada (atrás da linha tracejada vermelha) com a bola dominada, marca 1 ponto e o jogo não para.




Atividade 2

Descrição

- Atividade de 4x2, em que o objetivo da equipe com inferioridade numérica é proteger o espaço demarcado; já a equipe com superioridade numérica deve receber um passe dentro do mesmo.

Regras e Pontuação

- A equipe de dois jogadores deve proteger o espaço demarcado (losango demarcado pelas linhas tracejadas vermelhas) e marca ponto quando recuperar a posse de bola dentro do mesmo.

- A equipe de quatro jogadores marca ponto quando um jogador receber um passe dentro do espaço demarcado (losango demarcado pelas linhas tracejadas vermelhas).




Atividade 3

Descrição

Atividade de 6x6, em que o objetivo das equipes é proteger os golzinhos e os cones nas laterais.

Regras e Pontuação

- Se equipe fizer gol no golzinho adversário, marca 1 ponto.

- Se equipe derrubar o cone nas laterais do campo, marca 1 ponto.




Atividade 4

Descrição

- Atividade de 7 + Goleiro X 7 + Goleiro, em que o objetivo é proteger os gols (pequenos nas laterais e o oficial com a presença de goleiros) e criar superioridade numérica na região onde se encontra a bola para poder recuperá-la.

Regras e Pontuação

- Nas faixas laterais, a equipe que estiver sem a posse de bola só pode tentar recuperá-la se houver 2 ou mais jogadores dentro desta área.

- Se equipe que estiver com posse de bola fizer um passe completo por dentro dos golzinhos para um companheiro da equipe, marca 1 ponto e o jogo continua.

- Se equipe fizer o gol no gol oficial protegido pelo goleiro, marca 2 pontos.




Atividade 5

Descrição

- Atividade de 7 X 5 + Goleiro, em que o objetivo da equipe com
desvantagem numérica é realizar uma marcação zonal impedindo que o adversário chegue até a área demarcada. Já a equipe com superioridade numérica deve proteger os golzinhos e buscar chegar até a área demarcada para realizar a finalização.

Regras e Pontuação

- Defesa não pode entrar na área demarcada. Se algum jogador da equipe com superioridade numérica receber um passe em profundidade dentro do espaço demarcado, ele poderá enfrentar o goleiro em uma disputa 1X1 sem o auxílio de outros jogadores.

- Equipe com inferioridade numérica marca ponto se fizer o gol nos “golzinhos” adversários.

- Equipe com superioridade numérica marca ponto se fizer o gol no gol oficial protegido pelo goleiro.




Autor: Rafael Tadeu Braga Martins
Mestrando em Atividade Física e Saúde e Preparador Físico do Forrobol Esporte e Arte

Referências:

BAYER, C. O ensino dos desportos coletivos. Lisboa, Dinalivro, 1994;
MUTTI, D. Futsal - futebol de salão - artes e segredos. São Paulo, Emus, 1994;
Universidade do Futebol

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Parabéns a todos os Profissionais de Educação Física

Hoje é um dia Especial!!

Especial aos meus colegas de Profissão...

A Profissão da Saúde e do Bem Estar...

A profissão que requer dedicação, compromisso e conhecimento sobre o corpo.
Profissão que nos trás alegrias e tristesas através do suor e da dor.

A você, PROFISSIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA, que atua nos corpos de seus alunos e atletas para, em verdade, alcançar-lhes as metas e o corações, a nossa homenagem e o reconhecimento neste dia 1º de Setembro, nosso dia!

PARABÉNS!!!




segunda-feira, 22 de agosto de 2011

O currículo de formação do atleta de futebol - parte IV

Apresentação de alguns sub-temas dá sequência à discussão de material aplicado em clube formador de SP


Na parte II do currículo de formação do atleta, foi possível observar os oito grandes conteúdos que compõem o material. Naquela oportunidade, foram identificados os temas que derivam de cada conteúdo e sinalizado que em outro momento seriam apresentados os sub-temas.

Nem todos os temas se dividem em sub-temas. Por exemplo, o conteúdo “Lógica do Jogo”, que se subdivide nos temas aplicação e abordagem da Lógica do Jogo Formal, já se encerra neste desdobramento. Deste modo, alguns conteúdos e temas não serão identificados no presente texto.

O tema Relação com a Bola, derivado do conteúdo Competências Essenciais, subdivide-se em:

• Vivência de todos os fundamentos técnicos do futebol;
• Utilização de membro não dominante;
• Descentrar-se da bola ofensivamente;
• Descentrar-se da bola defensivamente.

Para o tema Estruturação do Espaço, que também é derivado do mesmo conteúdo, os sub-temas são os seguintes:

• Estruturação racional do espaço em diferentes tamanhos de campo (?, ¼,½, campo todo etc);
• Estruturação do espaço ofensivo;
• Estruturação do espaço defensivo;
• Estruturação de acordo com Referências do Jogo (alvo, bola, adversário, companheiro e região).

Já o tema Comunicação na Ação, último que deriva das Competências Essenciais, compreende os sub-temas:

• Tomada de decisão;
• Antecipação da ação;
• Na ação ofensiva, todos participam;
• Na ação defensiva, todos participam;
• Nas transições, todos participam.

O próximo tema se refere às Plataformas de Jogo, que compõem o Conteúdo Referências do Jogo de Futebol. Os sub-temas das Plataformas são:

• As plataformas de jogo básicas (1-4-4-2 - quadrado; 1-3-5-2 e 1-4-3-3);
• Variações das plataformas de jogo;
• Utilização da plataforma de jogo em Jogos Conceituais e Conceituais em Ambiente específico.

Do tema seguinte, denominado Referências Operacionais, desdobram-se os sub-temas:

• Referências Operacionais de Ataque – manutenção da posse de bola, progressão ao alvo e ataque ao alvo;
• Referencias Operacionais de Defesa – proteção do alvo, impedir progressão ao alvo e recuperação da posse de bola;
• Referências Operacionais de Transição Ofensiva – manutenção da posse na zona de recuperação, retirada horizontal da zona de recuperação e retirada vertical da zona de recuperação;
• Referências Operacionais de Transição Defensiva – recuperação imediata da posse de bola e recuperação a partir de outras referências do jogo.

O terceiro e penúltimo tema deste conteúdo são as Referências Espaciais que se subdividem em:

• As linhas do campo – Linhas 1,2,3,4 e 5;
• As faixas do campo – laterais e central;
• As zonas de risco – altíssimo, alto, médio e baixo risco.

E, o último tema, classificado como Referências Atitudinais, apresenta os sub-temas abaixo:

• Referências Atitudinais a partir do adversário;
• Referências Atitudinais a partir da própria equipe.

Dentro de poucas semanas, será dada continuidade na apresentação dos sub-temas restantes, derivados do conteúdo Estratégico-Tático do Jogo. A separação foi feita devido à extensão de cada um deles e à reflexão que se pretende dos sub-temas já apresentados.

Em relação às reflexões, comece a perceber as inter-relações existentes entre cada grande conteúdo e as implicações que as mesmas geram em sua sessão de treinamento.

Exemplificando, pensar um jogo que estimule a Referência Operacional Ofensiva de manutenção da posse de bola significa que algumas habilidades da equipe oriundas de outros conteúdos serão necessárias para que a esperada posse aconteça. Dentre as habilidades esperadas, pode-se mencionar uma boa relação com a bola no fundamento passe, uma eficaz descentralização ofensiva, uma boa estruturação de espaço ofensivo no tamanho do campo em questão (posicionar bem em 40m x 20m não significa posicionar bem em 100m x 70m) e até nas regras de ação a serem executadas de acordo com a função exercida na plataforma de jogo utilizada.

Outra reflexão se refere a determinados sub-temas que nunca serão o único macro-objetivo de uma atividade. Por exemplo, não se criará um jogo em que a única preocupação será com o sub-tema tomada de decisão.

Sabemos que decisões são tomadas a todo o momento (acertadas ou não), por todos os jogadores, em cada um dos quatro Momentos do Jogo e em cada emergência que ocorre no Jogo. Melhorar a tomada de decisão só ganha significado se alinhada ao aperfeiçoamento de novos comportamentos da equipe em relação a habilidades, como: setores de recuperação da posse de bola, ação técnica e operacional principal de transição ofensiva ou quaisquer outros conteúdos e suas derivações que se pretenda trabalhar.

E, para o que se pretende trabalhar, o seguinte questionamento é fundamental: em que nível sua equipe se encontra e qual nível se espera alcançar?

Esteja seguro que ter a resposta mais assertiva possível para este questionamento e dominar o modo mais eficaz de evoluir o jogar de uma equipe te aproximará (mas não te garantirá) das vitórias, afinal, o desempenho no futebol é multifatorial.

Já começou as reflexões? Para aperfeiçoar a Relação com a Bola da equipe no fundamento cabeceio defensivo, de quais habilidades ela precisa?

Autor: Eduardo Barros
Disponível em: Universidade do Futebol

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Utilização da crioterapia no futebol: mitos e verdades

Não há consenso na literatura quanto à aplicação da imersão em água gelada (IAG); dados também são reduzidos à categoria juvenil do gênero masculino


Para melhora da estrutura e da função musculares são necessários microtraumas que sinalizem processos regenerativos. Exercícios novos em que o atleta não está acostumado a executar, que sejam de alta intensidade e com ação muscular excêntrica, são os maiores causadores de microtraumas que podem gerar desconfortos entre 12 e 72 horas.

Entre os mecanismos de sinalização encontram-se a liberação de processos inflamatórios, mudança de distribuição de fluxo intra e extracelulares, edema, rigidez muscular, diminuição da amplitude articular e dor muscular tardia. Quanto mais perdurarem esses sinais e sintomas, mais prejudicado estará o desempenho do atleta e, por este motivo, a combinação adequada entre os treinamentos de alta intensidade, jogos e período de recuperação é fundamental para o sucesso competitivo (Goodall e Howatson, 2008).

Das técnicas utilizadas para acelerar o processo de recuperação muscular encontram-se dieta rica em carboidrato, recuperação ativa, eletro estimulação, massagem, aplicação de contraste, crioterapia, entre outras (Barnett, 2006).

A crioterapia consiste em retirar a temperatura corporal para minimizar os efeitos negativos dos microtraumas e aumentar o bem-estar dos atletas e tem se popularizado no futebol pela aplicação de imersão em água gelada (IAG).

Apesar de hipoteticamente reduzir fatores inflamatórios e minimizar desconfortos musculares e articulares, os resultados mostrados na literatura com aplicação de IAG são contraditórios.

Em um trabalho de revisão sistemática muito interessante, Bleakley e Davison (2010) apresentaram resultados de estudos que utilizaram diferentes sujeitos e várias modalidades esportivas. Os autores destacam que embora a IAG possa causar alterações hemodinâmicas, respiratórias, metabólicas, antioxidantes e endócrinas, não incluíram no estudo nenhum dado relacionado ao futebol.

O primeiro estudo a investigar os efeitos da IAG em jogadores de futebol parece ter sido feito em 1996 por Cross, Wilson e Perrin. Os autores avaliaram o desempenho de atletas da 3ª divisão na corrida de ida e volta; no salto unilateral em 6m de distância e no salto vertical unilateral com e sem IAG (20min a 13°C). Os resultados indicaram redução no salto vertical e no teste de ida e volta não havendo diferença significativa no salto de 6m. Apesar da pouca especificidade das tarefas relacionadas ao futebol, os resultados são curiosos já que ao contrário do que se imaginava, a IAG ao invés de causar alguma melhora, manteve ou piorou o desempenho.

Com o intuito de verificar se a IAG surtia algum efeito, Rowsell et. al., (2009) analisaram o desempenho de atletas juniores após cada partida de futebol num total de quatro ocasiões. Os autores formaram dois grupos em que um fez IAG (n=6; 5 ciclos de 60s de imersão a 10ºC e 60s a 24ºC - temperatura ambiente) e outro fez imersão em água com temperatura ambiente (n=7; e 5 ciclos de 60s de imersão a 34ºC e 60s a 24ºC - temperatura ambiente). Após avaliarem testes físicos (salto contra-movimento, 12 tiros de 20m com 20s de descanso entre cada um deles), percepção subjetiva de esforço durante uma corrida submáxima (12 km/h), fatores inflamatórios (Creatina cinase, mioglobina, interleucinas 1b, 6 e 10) e bioquímicos (lactato desidrogenase), não encontraram diferença significativa entre os grupos em nenhuma das variáveis avaliadas.

Com o objetivo de comparar três diferentes estratégias de recuperação, Kinugasa e Kilding, (2009) aplicaram IAG + banho quente (12ºC e 38ºC, respectivamente); IAG + recuperação ativa (12ºC e bicicleta ergométrica); e alongamento de rotina pós treino em 28 jovens futebolistas (14,3+0,7 anos). Após três jogos de futebol executados com 24 horas de intervalo entre cada um, os pesquisadores avaliaram salto vertical, frequência cardíaca, temperatura do tímpano, e a percepção na qualidade da recuperação muscular 10 minutos depois de cada jogo, após cada tipo de intervenção e depois de 24 horas. Os resultados demonstraram diferença somente na percepção da qualidade de recuperação após a intervenção do protocolo, porém normalizada após 24 horas.

Ascenção et. al. (2010) compararam o efeito da IAG (10min a 10°C) e da imersão termoneutra (10min a 35°C) em 20 futebolistas juniores. Creatina cinase, mioglobina, proteína C-reativa, salto (vertical e contramovimento), velocidade (tiro de 20m), força isométrica de quadríceps (isocinético) e percepção de dor muscular tardia (quadríceps, panturrilha, adutor e isquitibiais) foram analisados antes, 30min, 24h e 48h após o jogo. Em relação ao período de tempo, ambos os grupos aumentaram creatina cinase (30min, 24h e 48h), mioglobina (30min), proteína C-reativa (30min e 24h) e dor muscular tardia. Houve redução da altura do salto e da força máxima de quadríceps. O tiro de 20m não apresentou diferença entre os períodos.

Comparando os grupos, houve diferença significativa na creatina cinase (30min, 24h e 48h), mioglobina (30min), proteína C-reativa (30min, 24h e 48h), força do quadríceps (24h) e dor muscular tardia no quadríceps (24h), panturrilha (24 h) e adutor (30min). Esses resultados indicam que embora a IAG não melhore variáveis específicas do futebol (tiro e salto), ela parece reduzir a sensação de dor muscular tardia e pode aliviar o desconforto dos atletas.

Mais recentemente, Rowsell et. al., (2011) compararam o efeito da crioterapia (5x1min a 10ºC) e da hidroterapia (5x1min a 34ºC) nas velocidades de deslocamento e na percepção subjetiva de esforço pós-jogo em 22 juniores em quatro partidas de futebol realizadas com 24h de intervalo. Embora ambos os grupos tenham reduzido a distância percorrida em alta intensidade (>15km/h), a distância total e o tempo de manutenção da frequência cardíaca na zona acima 90% da máxima entre o primeiro e último jogo, não houve diferença entre o grupo que fez crioterapia do que fez hidroterapia. Apesar disso, o grupo que realizou IAG amenizou a sensação de dor nas pernas, a sensação de cansaço geral, manteve-se maior tempo na zona de FC moderada e amenizou a queda da distância total percorrida, mostrando efeito positivo da IAG versus a hidroterapia.

Esse é um aspecto interessante, já que derruba a hipótese de alguns autores que acreditavam que parte dos benefícios da IAG se dava exclusivamente em função da pressão hidrostática e não por causa da temperatura da água.

Um único trabalho que utilizou atletas profissionais como amostra foi realizado na Polônia por Korzonek-Szlacheta et. al., 2007. Após 10 sessões de crioterapia, os autores avaliaram as concentrações séricas de hormônios de 22 atletas (estradiol, testosterona, sulfato de dehidroepiandrosterona (DHEA) e do hormônio luteinizante) mostrando redução significativa da testoterona e do astradiol. Tais alterações foram atribuídas pela alteração da circulação sanguínea, porém, por não medir desempenho, o estudo não permite nenhuma extrapolação prática.

Pelo apresentado, verifica-se que não existe consenso na literatura quanto à aplicação da IAG. Além disso, os dados são reduzidos à categoria juvenil do gênero masculino. Parte da controvérsia encontrada entre os diferentes estudos pode ser explicada pelas diversas metodologias aplicadas, já que variações do método de IAG, diferença nas características dos sujeitos, no nível de condicionamento, no período de treinamento, nas variáveis selecionadas e no tempo pós-esforço para coletada de dados limitam comparações.

Conclui-se que ainda não existem razões científicas suficientes que justifiquem a utilização da IAG e sua efetividade poderá ser testada quando a ciência responder as seguintes perguntas:

01 – Qual a temperatura ideal da água para realização da IAG?
02 – Qual o tempo ideal de permanência?
03 - A imersão deve ser contínua ou intercalada co outra estratégia?
04 – Quais as interferências da maturação e do gênero nas respostas da IAG?

Enquanto isso não ocorrer, caberá a cada clube, comissão técnica e atleta decidir se o custo-benefício dessa prática valerá ou não a pena.

Bibliografia

Ascensão A, Leite M, Rebelo AN, Magalhäes S, Magalhäes J. Effects of cold water immersion on the recovery of physical performance and muscle damage following a one-off soccer match. J Sports Sci. 2011 Feb;29(3):217-25.

Barnett A. Using recovery modalities between training sessions in elite athletes: does it help? Sports Med. 2006;36(9):781-96.

Bleakley CM, Davison GW. What is the biochemical and physiological rationale for using cold-water immersion in sports recovery? A systematic review. Br J Sports Med. 2010 Feb;44(3):179-87. Epub 2009 Nov 27.

Cross KM, Wilson RW, Perrin DH. Functional performance following an ice immersion to the lower extremity. J Athl Train. 1996 Apr;31(2):113-6.

Goodall S, Howatson G. The Effects of Multiple Cold Water Immersions on Indices of Muscle Damage. J Sports Sci and Med (2008) 7, 235 – 241.

Kinugasa T, Kilding AE. A comparison of post-match recovery strategies in youth soccer players. J Strength Cond Res. 2009 Aug;23(5):1402-7.

Korzonek-Szlacheta I, Wielkoszynski T, Stanek A, Swietochowska E, Karpe J, Sieron A. Effect of whole body cryotherapy on the levels of some hormones in professional soccer players. Endokrynol Pol. 2007 Jan-Feb;58(1):27-32.

Rowsell GJ, Coutts AJ, Reaburn P, Hill-Haas S. Effect of post-match cold-water immersion on subsequent match running performance in junior soccer players during tournament play. J Sports Sci. 2011 Jan;29(1):1-6.

Rowsell GJ, Coutts AJ, Reaburn P, Hill-Haas S. Effects of cold-water immersion on physical performance between successive matches in high-performance junior male soccer players. J Sports Sci. 2009 Apr;27(6):565-73.


Autor: César Cavinato
Disponível em: Universidade do Futebol

terça-feira, 19 de julho de 2011

O currículo de formação do atleta – parte III

Classificação dos diversos tipos de jogos no processo de treinamento das equipes de categorias de base


É consenso que o jogar de uma equipe é construído no dia-a-dia de treinamentos, porém, como construí-lo já não compreende uma opinião comum de todos os profissionais do futebol. No processo de ensino-aprendizagem, os treinamentos analítico, integrado ou sob uma perspectiva sistêmica dividem seus seguidores de acordo com o olhar que cada um tem sobre a modalidade.

Pensando o futebol em sua totalidade e os treinamentos em função do jogo que se quer jogar, o currículo de formação já apresentado em colunas anteriores divide cada jogo (treino) em quatro diferentes classificações de acordo com a lógica do jogo de futebol.

A primeira, denominada jogo conceitual, apresenta dimensões distintas das oficiais, número de jogadores (ou até mesmo de equipes) diferentes e alvos em maior, menor ou igual quantidade em relação ao futebol formal. A manipulação destas variáveis, além das regras do jogo, permite a criação de infinitas atividades para aprendizagem, aperfeiçoamento ou domínio de determinado conceito.

As figuras abaixo ilustram alguns exemplos dos elementos que constituem os jogos conceituais:






Diversas regras podem ser utilizadas nos jogos acima, entre elas: tempo para recuperar a posse, tempo para ultrapassar o meio-campo, tempo para finalizar, limitação de toques, passes errados, drible obrigatório, utilização de perna não dominante, não devolver para o mesmo jogador que fez o último passe, quantidade mínima de passes para finalizar, quantidade máxima de toques para finalizar, setor de recuperação da posse, quantidade mínima de jogadores atrás da linha da bola, defesa completa do goleiro, etc.

Para todas as regras e pontuações que compuserem um determinado jogo, logo, para cada jogo, uma nova lógica interna existirá e que poderá estar muito próxima ou muito distante da lógica do jogo de futebol.

A segunda classificação se refere aos jogos conceituais em ambiente específico, com a mesma possibilidade de intervenções, respeitando o espaço formal de jogo. Neles, mantém-se também a estrutura de alvo a atacar e a defender como podem ser vistas nas figuras abaixo:






Assim como na classificação anterior, as regras do jogo e as pontuações definirão o quanto o jogo criado se aproxima do futebol.

O terceiro tipo de jogo denomina-se jogo específico e assemelha-se ao conhecido “coletivo apronto”. Nestes jogos, com a presença das regras oficiais, observa-se a aplicação do Modelo de Jogo da equipe e a transferência das aprendizagens dos dois tipos de jogos anteriores. Há possibilidade de alterações de caráter estratégico e também de treinos com superioridade ou inferioridade numérica.

A última classificação abrange os jogos contextuais, que são jogos específicos pensados em função das características de jogo do próximo adversário. A plataforma, os comportamentos ofensivos, defensivos, de transições e as características dos jogadores em cada posição tentam ser simulados pela equipe reserva com o objetivo de se aproximar da realidade da competição.

Então, a partir dos quatro tipos de jogos descritos, quais fatores considerar na elaboração do planejamento de treinos de uma equipe? São eles:

- Faixa etária
- Dia da semana
- Nível de aplicação do Modelo de Jogo pretendido
- Competição
- Objetivos do clube

Não existe receita pronta da quantidade de cada tipo de jogo e as melhores combinações para determinada equipe. Esta trabalhosa tarefa deve ser coerentemente definida por todos os membros da comissão técnica a fim de que as demandas técnicas, táticas, físicas e emocionais da competição sejam suportadas e para que as respostas coletivas ideais de cada problema do jogo sejam aplicadas.

Por exemplo, quem trabalha com categorias de transição (sub-11, 12 e 13) deverá perceber qual tipo de jogo melhor se adequa à realidade da sua equipe. Em outra situação, numa categoria sub-20 na antevéspera de uma partida, deverá ser pensado qual o tipo de jogo e por quanto tempo será aplicado.

Outro exemplo, de acordo com o Modelo de Jogo pretendido numa equipe sub-17, em determinada fase do jogo, montar o treino que será mais eficaz para evolução do jogar da equipe. Há também a definição da atividade de acordo com a situação na competição e, ainda, o que o clube espera do elenco em questão.

Vale ressaltar que a correta distribuição destes jogos num processo de formação é somente uma das inúmeras variáveis que podem trazer resultado (lucro e sustentabilidade) em longo prazo para um clube. Como parte do currículo, os diferentes tipos de jogos estão sendo aplicados em cada categoria do Paulínia FC, considerando os fatores acima identificados.

Em colunas futuras, exemplos de jogos conceituais e jogos conceituais em ambiente específico serão apresentados para propor discussões teórico-práticas acerca do treinamento em futebol.

Treinamento este que, atualmente, é feito correndo em volta do campo, saltando, driblando cones, finalizando sem adversários para aperfeiçoar o gesto técnico; ou então, por meio de jogos reduzidos, de alta intensidade, em que o desenvolvimento da vertente física é a grande preocupação; e até mesmo, através de jogos que levem a performance da equipe ao utópico Modelo de Jogo da comissão técnica. Depende do olhar que cada um tem sobre a vida...

Autor: Eduardo Barros
Disponível em: Universidade do Futebol

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Do jogo ao esporte e à competição – parte II

Regras são inseparáveis do jogo assim que este adquire a chamada “existência institucional”. A partir desse momento, faz parte da cultura de um povo



Huizinga (2001) foi um historiador que analisou a importância do papel do jogo no desenvolvimento da civilização. Segundo este autor o jogo é mais antigo que a cultura e por isso afirma que a civilização humana não acrescentou qualquer característica essencial à idéia geral de jogo, e, em certo sentido, o jogo é também superior ou pelo menos autônomo em relação a ela. No entanto, o jogo constitui uma das principais bases da civilização. Huizinga também considera que o jogo tem uma função significante, ou seja, no jogo há “[...] alguma coisa ‘em jogo’ que transcende as necessidades imediatas da vida e confere um sentido à ação”. (p. 04).

Para Huizinga (2001), as teorias do jogo partem do pressuposto de que o jogo se acha ligado a alguma coisa que não seja o próprio jogo, que deve haver alguma espécie de finalidade biológica. Mas a intensidade do jogo e seu poder de fascinação não podem ser explicados a partir da biologia. Pois é nessa intensidade, fascinação, capacidade de excitar, que reside a própria essência e a característica primordial do jogo.

Poderíamos acreditar que a natureza poderia nos ter oferecido todas essas funções úteis de descarga de energia excessiva, de distensão após um esforço, de preparação para as exigências da vida, de compensação de desejos insatisfeitos etc., sob a forma de exercícios de reações mecânicos. Mas não: ela nos proporcionou a tensão, a alegria e o divertimento.

De acordo com a definição de Huizinga (2001) seguem algumas características do jogo:

1. Atividade voluntária/livre: a atividade sujeita a ordens pode ser, no máximo, uma imitação forçada. Para o sujeito adulto é uma função que facilmente poderia ser dispensada, mas se torna necessidade urgente na medida em que o prazer por ela provocado a transforma numa necessidade. O jogo liga-se à condição de obrigação e dever apenas quando constitui uma função cultural reconhecida;

2. O jogo não é vida “corrente” nem vida “real”: trata-se de uma fuga da vida “real” para uma esfera temporária de atividade com orientação própria;

3. O jogo diferencia-se da vida “comum” tanto pelo lugar quanto pela duração que ocupa – o isolamento e a limitação: o jogo inicia-se em determinado tempo e chega a certo fim em outro. Há uma limitação do espaço, de maneira deliberada ou espontânea. E, assim como não há diferença entre o jogo e o culto, do mesmo modo o “lugar sagrado” – característica primordial de todo ato culto – não pode ser formalmente diferenciado do terreno do jogo;

4. O jogo cria ordem e é ordem: a menor desobediência à ordem “estraga o jogo”.

5. O jogo é tenso: a tensão causa incerteza e os jogadores, por sua vez, se esforçam para levá-lo até um desenlace positivo, ou seja, querem “ganhar” e acabar com aquela incerteza que gira em torno do mesmo. Contudo, quanto mais estiver presente o elemento competitivo, mais apaixonante se torna o jogo;

6. Todo jogo tem regras próprias: a desobediência às regras implica a destruição do mundo do jogo, uma vez que o árbitro apita e quebra o feitiço, retorna-se à vida “real”. No círculo do jogo as leis e costumes da vida quotidiana perdem validade. Essa supressão/omissão temporária do mundo habitual é inteiramente manifesta no mundo infantil, porém não é menos evidente nos grandes jogos.

Numa tentativa de resumir as características formais do jogo, Huizinga (2001, p. 16) coloca que este é:


[...] uma atividade livre, conscientemente tomada como “não séria” e exterior à vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e total. É uma tentativa desligada de todo e qualquer interesse material, com a qual não se pode obter lucro, praticada dentro de limites espaciais e tempos próprios, segundo uma certa ordem e certas regras. Promove a formação de grupos sociais com tendência a rodearem-se de segredos e a sublinharem sua diferença em relação ao resto do mundo por meio de disfarces ou meios semelhantes.


Diferentemente de Huizinga (2001), Caillois (1990) considera o jogo a mola primordial da civilização e, por isso, o termo jogo designa não somente a atividade específica que nomeia, como também a totalidade de imagens, símbolos ou instrumentos necessários a essa mesma atividade ou ao funcionamento de um conjunto complexo. Por isso, o jogo combina em si as ideias de limites, liberdade e invenção, assim como exige atenção, inteligência e resistência nervosa. Para ele:


Os jogos são em número variadíssimos e de múltiplos tipos: jogos de sociedade, de destreza, de azar, jogos de ar livre, de paciência, de construção, etc. Apesar desta infinda diversidade, e com uma notável constância, a palavra "jogo" evoca por igual as ideias de facilidade, risco ou habilidade. Acima de tudo, contribui infalivelmente para uma atmosfera de descontracção ou de diversão. Acalma e diverte. [...] A cada novo lance, e mesmo que estivessem a jogar toda a sua vida, os jogadores voltam a estar a zero e nas mesmas condições do início. (CAILLOIS, 1990, p. 9).


De forma resumida, são as características abaixo descritas que esse autor designa ao jogo. Uma atividade:

1. Livre: porque o jogador não é obrigado a jogá-lo e, por isso, o jogo se mantém divertido, atraente e alegre;

2. Delimitada: com limites de espaço e de tempo definidos, rigorosa e previamente definidos;

3. Incerta: seu desenvolvimento não pode ser determinado nem seu resultado obtido previamente, assim como é obrigatoriamente deixada à iniciativa do jogador certa liberdade na necessidade de inventar;

4. Improdutiva: uma vez que não gera bens, nem riqueza, nem elementos novos de espécie humana, e, salvo alterações de propriedade no interior do círculo dos jogadores, conduz a uma situação idêntica à do início da partida;

5. Regulamentada: sujeita a acordos que suspendem as leis normais e que instauram momentaneamente uma legislação nova, a única que conta;

6. Fictícia: acompanhada de uma consciência específica de outra realidade, ou de franca irrealidade em relação à vida normal.

Essas várias características do jogo são meramente formais, elas não consideram o conteúdo do jogo. Contudo, as regras são inseparáveis do jogo assim que este adquire aquilo que se pode chamar existência institucional. A partir desse momento, faz parte da cultura de um povo. São elas que o transformam em um veículo, e assim os jogos ilustram os valores morais e intelectuais de uma cultura, bem como contribuem para determiná-los e desenvolver.

Disponível em: UNiversidade do Futebol
Autora: Tania Leandra

domingo, 19 de junho de 2011

O “estado de jogo”

A complexa missão de alcançar e manter a suspensão momentânea da realidade em uma partida de futebol



Numa determinada sessão de treino, é significativamente difícil ter todos os atletas focados, comprometidos, cientes dos objetivos do treino na aplicação de um determinado jogo, entendendo suas regras, compreendendo sua lógica e agindo em função do seu cumprimento.

A ação pedagógica torna-se ainda mais trabalhosa se for considerado um ambiente em que pais, mídia, diversos treinadores e os próprios atletas afirmam que os jogadores de futebol já nascem prontos e também a convivência diária com jovens promissores que, certas vezes, tomam como exemplo alguns comportamentos de atletas pouco profissionais.

Porém, como mediador de um processo de evolução do “jogar” da equipe e como agente formador (e transformador), é função do treinador extrair o melhor de cada um de seus atletas e facilitar, por meio de sua liderança, abordagem, intervenção, comportamento e didática, o acesso ao “estado de jogo”, que é um grande parâmetro de qualidade do treino para quem ensina com Jogos.

O “estado de jogo”, definido pelo Dr. Alcides Scaglia, é caracterizado pela suspensão momentânea da realidade, onde há predomínio da subjetividade em detrimento da objetividade e que o seu ambiente (contexto) irá definir o que é ou não jogo.

No plano coletivo, ao iniciar um jogo da sessão de treinamento, é objetivo do treinador que, ao soar o apito inicial, toda a equipe rapidamente alcance referida condição. No entanto, quem já utiliza o jogo como metodologia de ensino perceberá que tal objetivo nem sempre é alcançado em todos os atletas.

Nem sempre é alcançado, pois no plano individual, cada elemento (jogador) do jogo encontra-se com foco, comprometimento e nível de compreensão da atividade distintos. Equalizar estes três fatores é a missão do treinador que pode ter início a partir dos questionamentos abaixo:

É possível entrar em “estado de jogo” preocupado com problemas particulares?

É possível entrar em “estado de jogo” insatisfeito com a perda da condição de titular?

É possível entrar em “estado de jogo” o atleta que não gosta de treinar?

É possível entrar em “estado de jogo” se, minutos antes da atividade, ao invés de discutir com a equipe o comportamento para o jogo em questão, a conversa referia-se ao lazer do último final de semana?

É possível entrar em “estado de jogo” se, minutos antes da atividade, ao invés de discutir com a equipe o comportamento para o jogo em questão, o atleta fica chutando bolas para o gol?

É possível entrar em “estado de jogo” se o treino aplicado encontra-se acima da zona proximal de desenvolvimento da equipe?

É possível entrar em “estado de jogo” se o treino aplicado encontra-se abaixo da zona proximal de desenvolvimento da equipe?

É possível entrar em “estado de jogo” aplicando exatamente o mesmo treinamento por um longo período de tempo?

É possível entrar em “estado de jogo” aplicando um treino com quantidade excessiva de regras sem devida progressão complexa?

É possível manter-se em “estado de jogo” se, a todo instante, o treinador para o treino para suas abordagens?

É possível manter-se em “estado de jogo” se o treinador deixa seguir o lance em que a bola saiu do campo de jogo somente alguns centímetros, afinal a atividade “é só pra treinar”?

É possível manter-se em “estado de jogo” quando a diferença de pontos no placar fica considerável?

Para cada questionamento, existe a melhor solução a ser encontrada pelo treinador. Para equipes diferentes, soluções diferentes. Para jogadores diferentes, respostas também diferentes. Logo, a “fórmula mágica” para o acesso ao “estado de jogo” está longe de ser encontrada em livros, teses ou dissertações.

Nestas fontes, porém, podem ser encontrados os embasamentos científicos para cada ação do treinador que contribuem para atingir o mais rápido possível o “estado de jogo” e sua manutenção até o apito final. O que fazer em cada questionamento parece simples, como podem ser lidos nos exemplos abaixo:

Atletas com problemas particulares (financeiros, familiares, etc.) necessitam de abordagens para que consigam esquecer, ao menos momentaneamente, o mundo real para alcançarem o mundo do jogo.

O foco na insatisfação, e não no jogo, com certeza atrapalhará o acesso ao “estado de jogo”.

Quem não gosta de treinar (jogar) não deve ser atleta de futebol, logo, não deve fazer parte de um elenco!

No treinamento, criar procedimentos em que a concentração esteja nas atividades do dia e que quaisquer ações/conversas paralelas não cabem, é missão do treinador.

Chutar bolas para o gol quando o treino vai iniciar é uma das atividades que não cabe.

A leitura minuciosa da equipe e jogadores permitirá ao treinador a criação de jogos adequados ao nível de desenvolvimento dos mesmos.

Com a evolução da equipe, os problemas se modificam, logo, os treinos também devem se modificar.

Demorar muito tempo para compreender as regras pode comprometer o tempo de entendimento do que fazer para ganhar o jogo.

Saber quando parar o jogo é indispensável para a manutenção da suspensão da realidade.

Se a bola saiu, mesmo que alguns centímetros, ela saiu. Não estrague o jogo!

Estabelecer a cultura de não aceitar derrotas, no mais simples jogo, faz com que o “estado de jogo” termine somente no apito final.

Agora, o COMO fazer, é o desafio de cada treinador a partir da já mencionadas liderança, abordagem, intervenção, comportamento e didática.

Então, no mundo ideal, em que todos os atletas estiverem em perfeito “estado de jogo”, que é o objetivo do treinador, os problemas estarão resolvidos?

É claro que não! O “estado de jogo” só faz sentido se as devidas respostas de cada jogador para cada problema do jogo estiverem alinhadas ao modelo de jogo da equipe e a ideia de jogo do treinador.

Disponível em: Universidade do Futebol
Autor: Eduardo Barros

segunda-feira, 13 de junho de 2011

O currículo de formação do atleta de futebol - parte II

A definição de oito grandes conteúdos, objetivando a excelência do processo de desenvolvimento de talentos


Há algumas semanas, foi proposta, aos profissionais das categorias de base, a iniciativa sobre o desenvolvimento do currículo de formação do atleta de futebol. Este material deve ser elaborado com o devido alinhamento à cultura e objetivos do clube e sua aplicação é pré-requisito para o desenvolvimento de um bom processo de formação diante das tendências do mercado.

Dias após a publicação da coluna, uma entrevista com Thiago Corrêa Duarte foi postada na Universidade do Futebol e, dentre os temas discutidos, estava o D.O.M (Documento Orientador Metodológico). Thiago, coordenador técnico das categorias de base do Grêmio, é o responsável pela elaboração do material que tem como objetivo formar atletas de futebol, a partir da filosofia e cultura do clube, caracterizando o “Jogar ao Grêmio”.

Um grande clube do futebol brasileiro já é um ótimo exemplo por conter profissionais que estão se preparando e agindo diante do novo cenário futebolístico que se desenha. Os concorrentes (outros grandes clubes, times de menor expressão com tradição em categorias de base e clubes formadores emergentes) que não se adequarem a esta nova realidade correm sérios riscos de realizarem investimentos sem retorno e sustentabilidade no médio e longo prazo.

Ciente deste cenário e respeitando as limitações estruturais, financeiras, de recursos humanos, outrora comentados, a diretoria do Paulínia FC selecionou cinco profissionais, no ano de 2009, para o desenvolvimento do material denominado “Metodologia Futebol Arte”. Nele deveriam constar os conteúdos e temas relativos ao processo de formação do sub-11 ao sub-20.

Além de apontar os oito grandes conteúdos que compreendem o processo de formação, o objetivo da coluna desta semana é padronizar algumas linguagens que serão utilizadas em colunas futuras.

Antes de apresentá-los, porém, é necessária a divulgação do nome dos outros quatro profissionais que contribuíram na elaboração do referido material: Anderson Gôngora, Cristian Lizana, Erick Martins e Lucas Leonardo. Este último coordenou a produção, porém, atualmente não trabalha mais com futebol.

O tempo de início e conclusão do currículo foi de seis meses, sendo feitas três a quatro reuniões semanais de duas horas cada, com saudáveis (mas nem sempre amistosas) discussões baseadas em diversos autores que discorrem sobre o ensino dos JDC, complexidade, teoria dos jogos, além das opiniões e experiências dos integrantes do grupo e, eventualmente, dos demais profissionais do clube.

O primeiro conteúdo é a Lógica do Jogo, que norteia todo o processo de formação e que se subdivide nos seguintes temas:

• Abordar a Lógica do Jogo Formal;
• Aplicar a Lógica do Jogo Formal.

O segundo conteúdo compreende as Competências Essenciais do Jogo. Tais competências se manifestam em quaisquer jogos coletivos e quanto melhor a sua manifestação, melhor será o nível de jogo realizado. Subdivide-se em:

• Relação com a bola;
• Estruturação do espaço;
• Comunicação na ação (Leitura de Jogo).

As Referências do Jogo de Futebol fazem parte do terceiro conteúdo. Dominar as referências, de forma circunscrita ao jogo, contribui para a orientação de novas formas de cumprir a Lógica do Jogo. Este conteúdo contém como temas:

• Plataformas de Jogo;
• Referências Operacionais;
• Referências Espaciais;
• Referências Atitudinais.

O quarto conteúdo é composto pelo nível Estratégico-Tático do Jogo. A componente estratégica oferece aplicações pré-definidas pelo modelo de jogo e a componente tática, pelas emergências (problemas) do jogo e apresentam os temas abaixo:

• Estratégias ofensivas;
• Estratégias defensivas;
• Reposições de bola;
• Bolas Paradas;
• Meios Táticos.

O conteúdo seguinte é relativo às Funções no Jogo e apresenta como temas:

• Jogar em uma Posição;
• Cumprir outras Regras de Ação;
• Jogar em mais de uma Posição.

O sexto conteúdo denomina-se Relação com Companheiros e é desenvolvido em função da capacidade de jogo dos praticantes e tem como subdivisão os seguintes temas:

• Jogar em pequenos grupos (até 3 jogadores);
• Jogar em médios grupos (de 4 a 7 jogadores);
• Jogar em grandes grupos (mais de 8 jogadores).

Fisiologia e Saúde fazem parte do penúltimo conteúdo, que inclui:

• Conhecimento dos grupos musculares;
• Consciência corporal;
• Vivência em academia;
• Exercícios profiláticos.

O oitavo conteúdo é denominado Apoio Didático e é composto pelas atividades complementares extra-campo, de caráter técnico, para contribuição no processo de ensino-aprendizagem. Apresenta como temas:

• Palestras do Modelo de Jogo;
• Palestras de jogos profissionais;
• Palestras de jogos da própria equipe;
• Palestras de jogos do adversário.

Para todos estes temas (em outras colunas virão os sub-temas), estabeleceram-se “pesos” subjetivos, de 0 a 5, que foram distribuídos, para aplicação no processo de treinamento, entre todas as categorias do clube. Quanto maior o “peso”, maior a importância da aprendizagem do tema. Para alguns temas, a letra “X” substitui a presença do número indicando que determinado conteúdo já foi aprendido pela categoria. O número zero indica que determinado tema não deverá ser abordado.

Ainda sobre a interpretação do currículo, outro ponto é de fundamental importância e se refere às dimensões do aprendizado. Para isto, os termos “conhecer, vivenciar e aprender” correspondem aos primeiros contatos com cada tema e a abordagem do treinador deverá ser constante para assimilação dos objetivos propostos nas atividades. Realizado o contato inicial, a “aplicação” e “aperfeiçoamento” deverão ser observados para excelência e acomodação do aprendizado, inclusive quando determinado tema não for o objetivo específico da atividade. E, por último, “dominar” o tema com a maior competência possível na sua execução.

Para finalizar, é válido salientar que o currículo do Paulínia FC não é um documento fechado, pronto e que não receberá alterações. É apenas um material de desenvolvimento de um processo de formação que, com exceção do sétimo conteúdo, Fisiologia e Saúde, utiliza o “jogo” como método de ensino. Sua aplicabilidade (lembrando que tem somente um ano e meio de existência) está sendo observada para que adequações sejam feitas e possíveis equívocos, sanados. Outra consideração refere-se às limitações de toda a gestão que refletem com maior ou menor magnitude no trabalho de campo.

No entanto, não é possível aguardar o “mundo ideal” para serem dados os primeiros passos de uma longa e trabalhosa caminhada. Caminhada, em que muitas questões, acertos e erros serão discutidos com profissionais do futebol dispostos a compartilhar conhecimento.

Disponível em: Universidade do Futebol
Autor: Eduardo Barros

domingo, 5 de junho de 2011

Importância da preparação física na periodização tática

Treino mais ou menos descontínuo depende de séries, volume, pausas satisfatórias ou não e devem ser montados em conjunto para que todas as sessões ganhem em evolução

Os estudos e vivências atuais do futebol demonstram a importância do uso da periodização tática na preparação de equipes profissionais. Este método deixa um pouco de lado as sistematizações com relação às porcentagens de carga de treinamento, características dos microciclos, etapas, etc. Sabemos que na periodização tática as programações são feitas em cima da preparação para o jogo posterior e baseada num microciclo padrão, mais conhecido por morfociclo.

Pelo fato de não se enfatizar os períodos de aquisição de forma visando picos de forma de acordo com o desenvolvimento das capacidades físicas e pelo trabalho ser voltado completamente ao sistema de jogo imposto pelo treinador, o preparador físico parece ter o seu trabalho reduzido neste processo.

O treinador José Mourinho usa o termo “treinador adjunto” para a função de seu preparador físico, excluindo da metodologia sessões isoladas para o desenvolvimento das capacidades físicas. Oliveira, 2006 cita em seu livro, explicando a metodologia de Mourinho e ressaltando que suas equipes não treinam em academia e não realizam sessões de treino voltadas para resistência como os conhecidos tiros de 1000m, corridas contínuas, entre outros tipos de treino e cita o uso da sala de musculação apenas para atletas que estão voltando de lesão. Porém temos que considerar e comparar o nível de força e técnica dos atletas que ele tem em mãos além da tecnologia que possuem com relação a dados individuais que são usados como ferramenta de trabalho nas montagens de sessões e conhecimento do grupo.

A partir das colocações acima podemos relacionar várias situações de importância do preparador físico no processo. Por exemplo, a importância na montagem das sessões com relação às orientações das cargas, se o treino é forte, moderado ou leve, quais capacidades físicas trabalham em especificidade e concorrência, o tempo de recuperação de um treino para o outro fazendo com que o atleta execute as sessões sempre descansados e buscando atingir a perfeição, as recuperações pós-jogo, os trabalhos de hidratação que competem às fisiologistas, porém podemos auxiliar e em equipes de pouca estrutura temos que nos responsabilizar.
Na sequência, explicarei a nossa importância com relação aos problemas citados acima:

Orientações de carga: os treinadores sabem com relação à aplicação do esquema tático e impõem seu método de aplicação buscando o melhor entendimento possível por parte dos atletas, porém não sabem na maioria das vezes como quantificar um treinamento de acordo com a fonte energética predominante e na periodização tática nos deparamos com diferenças entre as fontes, principalmente no morfociclo. Um treino mais ou menos descontínuo depende de séries, volume, pausas satisfatórias ou não e devem ser montados em conjunto (treinador e preparador físico) para que todas as sessões ganhem em evolução.

Treino forte, moderado ou leve: saber identificar a intensidade do treino na modalidade futebol é realmente complicado. Às vezes um treino extenso não é forte e vice-versa. A intensidade está relacionada à carga emocional imposta no treinamento. Porém, o preparador físico tem um feeling melhor para relacionar a carga do treino anterior com a sua recuperação para a próxima sessão, estabelecer o tempo correto de recuperação de um treino para o outro, mudar a programação de todos ou alguns jogadores durante a preparação para o jogo. Saber o momento que o jogador está se sentindo mais desgastado e este desgaste pode acumular de forma negativa para o jogo em preparação. Na periodização tática, como citado acima, os treinos e semanas são caracterizadas dessa forma, pois não conseguimos determinar porcentagens, muito menos relacionar os microciclos às características existentes nas literaturas.

Treinamentos específicos: planejar sessões de treinamento específicas, que adaptem os atletas e que os preparem para os desafios e dificuldades do jogo é uma das partes mais importantes no planejamento de uma comissão técnica. Como sabemos o treino não é composto apenas de parte principal e podemos evoluir trabalhando em especificidade no aquecimento, estimulando a força específica de alguma forma dentro do modelo de jogo, minimizando os riscos de lesões freqüentes, entre outras importâncias sabendo dosar as intensidades de acordo com o momento do macrociclo. Nem sempre todos os atletas conseguem se adaptar ao esquema, ou sentem e sentimos que para aquele atleta ainda falta algo mais e temos que complementar em especificidade, dentro das exigências da posição. Um dos grandes problemas que os clubes encontram é a heterogeneidade dos grupos, ou seja, o grupo não se apresenta por completo no dia determinado, atletas chegam 10 dias depois, outros 20, vindo de um mês de inatividade, outros vindo de lesão, outros saindo de uma competição, treinamentos extras, entre outros problemas que dependem da identificação e do feeling do preparador físico.

Concorrência nos treinamentos: ao estudarmos treinamento desportivo aprendemos que as capacidades físicas se desenvolvem melhor trabalhadas isoladamente. Aprendemos também que determinadas capacidades trabalhadas na mesma sessão uma após a outra podem prejudicar nos ganhos das mesmas, como por exemplo, se trabalhar velocidade após resistência. Porém, no futebol não temos como escapar da concorrência quando defendemos a especificidade como princípio fundamental no processo de treinamento e de vitórias. O futebol é um desporto intermitente e durante o período de jogo exige de todas as capacidades físicas em especificidade; com isso, se queremos preparar bem nossos atletas e em especificidade, temos que ir contra a literatura e trabalhar de forma concorrente, mas até isso tem que ser programado de forma inteligente. O preparador físico se torna importantíssimo e responsável no processo.

Recuperação pós-jogo e treino e hidratação: normalmente este processo é de responsabilidade do fisiologista, porém em equipes menores esta função tem que ser exercida pelo preparador físico e da mesma forma os atletas tem de estar da melhor maneira possível recuperados para o treino ou jogo posterior. Suplementar, alimentar, conscientizar os atletas destas importâncias acaba sendo de responsabilidade do preparador, ou seja, nosso trabalho nos bastidores é fundamental no processo.
Finalizando este texto, ao saber da sua real importância na metodologia da periodização tática, o preparador físico se torna peça fundamental no processo, mesmo sem aplicar sessões isoladas para desenvolvimento físico e interpretando que o treinamento específico dentro do sistema de jogo também tem exigências físicas e o condicionamento está totalmente ligado à adaptação, sendo que ao se adaptar o atleta consegue render melhor fisicamente para a equipe. Estou aberto a discussões e a novos estudos sobre a preparação física na periodização tática.

Disponivel em: Universidade do Futebol
Autor: Rafael Cotta

segunda-feira, 30 de maio de 2011

A evolução das peneiras: o processo seletivo do jogador de futebol

Esboços preliminares propostos pelo Dr. Alcides Scaglia recebem contribuições sobre a captação de atletas


Ainda como colunista semanal, no final de 2009, o Dr. Alcides Scaglia propôs que a detecção de potenciais jogadores inteligentes deve ser o grande objetivo num processo de avaliação de atletas. Nesta oportunidade, mencionou que atributos físicos e habilidade com bolas nos pés devem ser menos importantes que a capacidade de entendimento de jogo e de aprendizagem do padrão organizacional sistêmico dos jogos. A coluna desta semana apresentará breves informações sobre procedimentos de análise na captação de atletas, buscando contribuir com o esboço outrora proposto.

O sonho de se tornar jogador de futebol alimenta a vida de milhões de crianças e adolescentes do nosso país. Na busca do sonho, o primeiro passo de muitos é ser aprovado em uma peneira de um clube de futebol. É neste ambiente que, dia após dia, expressões costumeiras são ditas, ouvidas e propagadas (muitas vezes erroneamente) acerca das “peneiras”, dos “peneirados” e de quem as organiza.

“De mil, vira um!”
“Em vinte minutos dá pra ver se o jogador é bom!”
“Tenho olho clínico para observar jogador”
“Só pelo jeito de andar, dá pra ver que não leva jeito.”
“Ele é bom zagueiro, mas é muito baixo.”
“Jogador igual a você eu já tenho no elenco, então, pra você ficar, teria que ser melhor do que os que estão aqui.”

Com processos de captação devidamente elaborados e co-relacionados com uma boa formação, num futuro próximo, as frases poderão ser as seguintes:

“De mil, viram cinquenta!”
“Em cinco sessões de treino dá pra ver se o jogador é bom!”
“Tenho olho clínico para observar jogador, mas os olhares de mais alguns profissionais (outros técnicos, adjuntos, psicólogo) podem me auxiliar.”
“Anda todo desengonçado, mas joga bem”.
“Ele é bom zagueiro mesmo sendo baixo.”
“Jogador igual a você eu já tenho no elenco, então, te darei oportunidade para evoluir, pois você está chegando agora.”

Os procedimentos de análise têm uma estrutura semelhante, porém, possuem algumas especificações de acordo com as faixas etárias correspondentes a cada categoria, que estão subdivididas em: (1) Transição Esportiva, (2) final da Transição e inicio da Especialização e (3) Especialização.


Categorias de Transição Esportiva – 11 e 12 anos

No processo de avaliação desta faixa etária, não deve haver preocupação exclusiva com a definição de função dos jogadores, principalmente em ambiente formal. A estruturação de espaço no campo de aproximadamente 100m x 68m não permite uma boa aplicação de qualquer que seja a posição.

Quanto ao tempo de avaliação, deve-se permitir a realização de pelo menos seis sessões de treino, entre duas e três semanas, para possibilitar assimilação dos conteúdos vivenciados nos diferentes tipos de jogos. A análise das características do jogador deve compreender o potencial de execução de atitudes predominantemente defensivas, ofensivas ou ambas, pois, compreendendo as características do jogador (táticas, técnicas, físicas e emocionais), facilita posterior definição de suas regras de ação.

O predomínio de jogos deve ter dimensão e número de jogadores reduzidos. A relação com menos jogadores exige um menor nível de complexidade, o que facilita a interpretação e leitura de jogo dos praticantes.

Alguns jogos elaborados devem fugir significativamente a lógica do jogo de futebol. Para isso, retirada de alvos, aumento de alvos, utilização de perna/braço não dominantes, pontuação por número de passes, desarmes, são ferramentas que devem ser amplamente exploradas.

Alguns jogos elaborados devem assemelhar-se à lógica do jogo de futebol. É para tal prática que eles estão sendo avaliados.

A intervenção do treinador deve ser constante com o intuito de elevar a compreensão do jogo praticado. A ação centrada à bola é comportamento padrão desta faixa etária, logo, desconstruir um jogo anárquico é função do treinador.

Classificar e perceber a evolução da manifestação das Competências Essenciais (relação com a bola, estruturação do espaço e comunicação na ação) do jogo, pelo jogador, em ambientes não formais. Como destaque na análise destas competências, qualifica-se a eficiência do passe em situação de jogo, por ser fundamento predominante do futebol, o posicionamento sem bola em função das referências do jogo (alvo, tamanho de campo, bola, companheiros e adversários) além do acerto e da antecipação nas tomadas de decisão.

Após aprovação no processo seletivo, realizar inserção no grupo de jogadores, disponibilizando tempo hábil para adaptação. Uma reunião com os pais pode ser realizada para apresentação da filosofia de trabalho de clube.


Final da Transição Esportiva e início da Especialização – 13 e 14 anos

No processo de avaliação desta faixa etária, deve haver preocupação com o cumprimento de uma posição específica pelo jogador, sobretudo em ambiente formal. É necessário avaliar o nível de aplicação inicial de conteúdos ofensivos, defensivos e de transições.

Quanto ao tempo de avaliação, a realização de pelo menos oito sessões de treino, entre duas e três semanas, para permitir assimilação dos conteúdos.

A análise das características do jogador deve compreender o potencial de realização de mais de uma posição, identificando versatilidade. Caso não demonstre tais características, observar potencial de se tornar especialista da posição que desempenha.

Deve haver um equilíbrio de jogos com dimensão e jogadores reduzidos e em ambiente formal. Poucos jogos elaborados devem fugir significativamente a lógica do jogo de futebol. Alguns jogos elaborados devem assemelhar-se a lógica do jogo de futebol. Para isso, a estrutura gol a atacar e a defender deve ser mantida.

Alguns jogos elaborados devem ter relação com o Modelo de Jogo pretendido/praticado pelo treinador. A ideia de jogo do treinador deve estar presente em algumas atividades por meio de conteúdos tático-estratégicos ofensivos, defensivos e de transição relativos aos comportamentos de sua equipe.

A intervenção do treinador deve ser constante com o intuito de elevar a compreensão do jogo praticado e reduzida nas situações em ambiente formal para observar a transferência da aprendizagem.

Em relação às Competências Essenciais, a análise é equivalente à categoria anterior.

Após aprovação no processo seletivo, realizar inserção no grupo de jogadores, disponibilizando tempo hábil para adaptação. Uma entrevista com pais deve ser realizada para apresentação da filosofia de trabalho de clube, além de uma anamnese com membros da comissão técnica para identificar histórico de treino, lesões, hábitos alimentares e comportamentais.


Especialização – 15, 16 e 17 anos

Nesta faixa etária, o processo de avaliação deve observar quem é competente no exercício de uma posição.

Em relação ao tempo de avaliação, cinco sessões de treino, correspondente a uma semana, são suficientes para definir a aprovação do jogador e inserção no elenco.

Inicialmente, um questionário pode ser realizado com o intuito de descobrir em quais plataformas de jogo o avaliado já jogou e quais são as regras de ação que o mesmo entende como designadas a sua posição.

Ter o conhecimento teórico (intuitivo e/ou adquirido) de suas funções no jogo permitirá comparação com o desempenho circunscrito ao jogo.
No passo seguinte, caberá ao treinador formar diferentes equipes e solicitar regras de ação específicas para cada jogador. Com esta faixa etária, espera-se uma alta capacidade de interpretação e aplicação das informações da comissão técnica.

No jogo formal, conforme mencionado na faixa etária anterior, a qualidade das ações ofensivas, defensivas e de transições também devem ser identificadas.

Jogos que forem realizados com dimensão e espaços reduzidos devem, posteriormente, ter suas regras transportadas para aplicação em ambiente formal de jogo. O ambiente formal é o predominante na realização das atividades.

Nenhum jogo elaborado deve fugir significativamente a lógica do jogo de futebol e todos os jogos aplicados devem ter relação direta com o Modelo de Jogo pretendido/praticado pelo treinador. Nesta faixa etária, ao menos quatro anos de formação já se passaram e bom desempenho de jogo prévio é imprescindível para aprovação no processo seletivo.

Cada sessão de treino pode ter como macro-objetivo os diferentes momentos de jogo, o que permitirá um mapeamento detalhado do nível de aplicação de conteúdos possuídos por cada jogador.

A abordagem e intervenção do treinador devem ser pontuais, principalmente quando as regras de ação desempenhadas forem diferentes das solicitadas pela comissão.

O tempo restante de formação para atletas aprovados nesta faixa etária é bastante reduzido, logo, ampla discussão interdisciplinar sobre um atleta que desperte interesse deve ser proposta para estimar seu potencial de formação integral, aliado ao perfil desejado pelo clube. Nesta discussão, devem participar psicóloga, nutricionista, fisiologista, treinadores e adjuntos, para comporem a decisão final e apresentarem o resultado à diretoria que, ao analisar o relatório do atleta avaliado, decide o investimento.

As populares “peneiras” precisam evoluir. Potenciais grandes jogadores de futebol se perdem no imenso território brasileiro devido à escassez de verdadeiros “olhos clínicos” para atletas inteligentes. Avaliar um atleta de 12 anos é diferente de avaliar um atleta com 16, já no final do período de formação. Trinta minutos de coletivo não pode ser a atividade proposta para ambos.

E, para finalizar, a obviedade e a certeza de que as melhores escolhas, lembrando que aliadas a uma boa formação, serão fundamentais para a sustentabilidade das categorias de base do clube. Foi assim com Sneijder, no Ajax, Cristiano Ronaldo, no Sporting, Neymar, no Santos, e Puyol, no Barcelona.

Por falar em Barcelona, dos atletas aprovados em avaliações do clube catalão (por seletivas, observações e captações na Espanha e em todo o mundo) e que passam a residir no La Masía, 10% debutam na equipe principal. Equipe que decidirá o título da Uefa Champions League com um número significativo de jogadores “pratas da casa”.

É a prova que de 1000, “viram” mais que um!

Disponível em Univerdade do Futebol
Autor: Eduardo Barros

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Pubialgia

INTRODUÇÃO

Existe um abuso de emprego da expressão “dor no púbis”. Isso não só pelos leigos, mas também pelos profissionais do esporte, tanto da área física, como inclusive pelos médicos. Até pelos traumatologistas.

Além disso e, principalmente, observa-se respeito e até medo com o diagnóstico de pubite ou pubialgia. Tanto que o atleta que a apresenta fica desanimado e decepcionado, prevendo longo tempo de transtorno e incapacidade física.

Que problema é esse que causa tanto medo e longa incapacidade?

Será realmente válida tal preocupação e existe essa patologia tão incapacitante?

É nosso objetivo mostrar e descrever todas as possibilidades de envolvimento pubiano e peripubiano que possam ocorrer em atletas e, principalmente, no futebolista.

MATERIAL E MÉTODO


O trabalho foi realizado baseado na avaliação de pessoas com queixas de dor no púbis ou em torno dele, principal-mente, atletas (jogadores de futebol – fundamentalmente – e atletas de outros esportes) e ainda não-esportistas. Observamos as causas determinantes da pubialgia. Complementamos nossas observações com o encontrado na literatura. Agrupamos as patologias conforme o envolvimento ocorresse na sínfise pubiana e imediações ou, então, em volta do púbis.

Entorse interpubiana – A articulação interpubiana (sínfise) é uma anfiartrose, que apresenta mínimos movimentos. A fenda articular tem posicionamento vertical.

São múltiplos os ligamentos. Alguns – os mais centrais – são fibrocartilaginosos. Porém, a grande maioria é de natureza fibrosa.

Tem união muitíssimo forte, com fibras em várias direções, aumentando com isso sua resistência às solicitações, sejam quais forem, independentemente do sentido e da direção que incidirem as forças.

Nunca se deve esquecer que o púbis, juntamente com sua articulação, faz parte do anel pelviano. Por isso, freqüentemente sofre ação forte, que atua em dois pontos distintos como, por exemplo, a articulação interpubiana e uma das sacroilíacas.

Na vizinhança do púbis passa ou existe grande número de estruturas importantes que não se conectam diretamente com ele, mas que pode ter algum problema de difícil diferenciação com envolvimento pubiano ou sinfisiano.

Durante a marcha, ou simplesmente no apoio unipodal, o membro apoiado força cranialmente, enquanto que o suspenso tende a deslocar-se para baixo. Ou seja, ocorre o mecanismo da cisalha. Ele atuaria sobre a sínfise pubiana se esta tivesse algum movimento entre o púbis. Nesse caso o do membro apoiado tenderia a deslocar-se para cima, enquanto o suspenso desceria. Mas em condições normais os ligamentos interpubianos não permitem que ocorra qualquer deslocamento.

Os músculos adutores atuam forçando a abertura da sínfise pubiana. Quanto maior, mais brusca e violenta for a abdução da coxa, mais intenso é o efeito tracionador dos adutores sobre a sínfise (principalmente os músculos originados mais próximo da articulação: adutor longo, gracilis, pectíneo, adutor menor e parte do adutor maior). Os oblíquos abdominais também tendem a abrir a sínfise.

O efeito tracionador dos adutores sobre o púbis no sentido de abrir a sínfise pode também ser observado na abdução forçada da coxa para o lado, mesmo tendo esta flexionada. O reto abdominal, por sua vez, traciona o púbis proximalmente.

Durante a gravidez, por influência hormonal, ocorre frouxidão ligamentar nas articulações do anel pelviano – inclusive na sínfise pubiana – para permitir a descida do feto. Isso é mais notado no período perinatal.

Em algumas mulheres após o parto persiste a diástase interpubiana por algum tempo (poucos meses). Mas após a normalização, com freqüência mantém-se dor local, inclusive em caminhadas, mas principalmente na abdução da coxa. Isso pode limitar a atividade atlética.

Os hipermóveis, excepcionalmente, podem apresentar alguma sintomatologia dolorosa na região da sínfise ao realizarem exercícios que forçam a articulação.

A sínfise pubiana no adolescente não tem a fixação interóssea do adulto. Daí porque podem ocorrer entorses dos ligamentos de união dos dois ossos na abdução forçada de ambas as coxas(4-8).

Mas, independentemente dessa particularidade, as lesões da sínfise pubiana são raras, exceto nos graves acidentes que atingem a pélvis(4,5). Pois, habitualmente e em condições normais, mesmo hipersolicitações fortes não conseguem vencer a resistência ligamentar da sínfise.

A conduta nas entorses sinfisianas é a mesma das demais. Como, habitualmente, não há ruptura ligamentar, usa-se calor, se necessária anestesia local (às vezes também corticóide), repouso – isto é, evitar corridas, saltos, abduções forçadas das coxas – e, ainda, faixa em cinta apertada para manter os púbis mais aproximados.

Contusões – As contusões na área da sínfise são muito dolorosas. Isso porque na superfície subcutânea anterior à sínfise é possível ocorrer intensa tumefação e formação de hematoma, mas sem qualquer perigo ou incapacidade conseqüente. Às vezes, pode criar quadro alarmante ao paciente ou ao médico não especialista, devido ao porte de grande hematoma.

As condutas são as próprias do tratamento das contusões com gelo ou calor, analgesia, antiinflamatório (nem sempre) e aspiração quando houver hematoma grande.

Osteíte do púbis – De origem não traumática, é uma afecção bem definida que envolve a sínfise pubiana. Ela está associada a: 1) infecção do trato geniturinário; 2) cirurgia pélvica ou perineal; 3) gravidez; 4) artrites degenerativa ou reumatóide; e 5) causas desconhecidas.

Porém, as osteítes pubianas freqüentemente são classificadas em quatro categorias: 1) as infecciosas (osteomielite); 2) as que não apresentam germes, mas que resultam de infecção do trato geniturinário (algumas vezes após cirurgia) com distúrbio vascular secundário; 3) as por artrite degenerativa; e 4) as por artrite reumatóide.

O início pode ser agudo ou insidioso. O principal sintoma é dor sobre a sínfise pubiana, no lado medial de uma das coxas, no baixo abdome, no períneo e nas tuberosidades isquiáticas. A dor é agravada pelo caminhar. Usualmente, existe febre. O estudo radiográfico mostra esclerose e rarefação, às vezes com cavitação no púbis junto à sínfise (fig. 1). Seu tratamento depende de sua origem e causa(9).

São raras. Dificilmente existirão nos atletas.


Fig. 1 Osteomielite do ramo isquiático, junto à sínfise pubiana

Fratura do púbis – Ocasionalmente, pode ocorrer fratura do ramo descendente do púbis em atividades físicas – por exemplo, queda com os membros inferiores afastados lateralmente.

Já as fraturas-arrancamentos no púbis fazem parte do estiramento.

Estiramento (distensão) – O púbis é um osso esponjoso, chato. Tem muitos músculos – alguns potentes – relacionados diretamente com ele, quer se originando, quer terminando (inserindo-se). Praticamente ditas uniões ocorrem, quer nas suas superfícies anterior (principalmente) e posterior (raras fibras).

Tem unidades musculotendíneas que se fixam no osso através da parte muscular. Outras pela tendínea.

A união do músculo ou do tendão faz-se com o periósteo (sua profundidade). Não com o osso. A fixação é em área pequena ou grande, dependendo do porte do músculo.

Como vimos, são muitas as unidades musculotendíneas relacionadas com o púbis.

Mas, fundamentalmente, pode-se agrupá-las em: abdominais (oblíquos e reto – principalmente); e adutores das coxas.

O estiramento é a causa mais comum de pubialgia.

Como se sabe, as lesões musculotendíneas por tração ocorrem: na sua união com o osso (quer na origem, quer na inserção), independentemente se com união músculo-óssea ou ten-díneo-óssea; no corpo muscular; na transição musculotendínea; e no corpo do tendão.

O mecanismo é sempre o mesmo: desequilíbrio da relação entre a solicitação e a resistência tecidual, com predomínio daquela sobre esta, quer por hiperaumento da solicitação ou diminuição da resistência. Ou seja, hipersolicitação associada a normorresistência ou, então, em caso de hiporresistência. Quanto à resistência, interessa a habitual, isto é, a normal da pessoa e que depende do nível de preparação. E também a momentânea, que é a encontrada no momento da solicitação. Esta poderá ser muito menor do que a habitual, pois depende intensamente do fator surpresa.

Ou seja, muitas vezes, mesmo um atleta bem preparado globalmente e especificamente, é surpreendido por sofrer estiramento, por não programar-se para determinado esforço ocorrido bruscamente.

Mas não só isso. A lesão também pode ter instalação insidiosa, pela repetição de solicitações que vencem a resistência.

Pois como na preparação dos atletas competitivos a exigência vai à pré-fadiga, evidentemente que fica muito próximo do limite de segurança, tanto global, como das estruturas isoladamente. Também com as unidades musculotendíneas. Com isso aumenta em muito a propensão para as lesões. É o hiperuso.

Grande parte dos estiramentos peripubianos é de difícil diagnóstico, não só pela não identificação de mecanismo agudo absoluto (hiperesforço brusco), como também pela dificuldade de vincular à repetição de exercícios fortes em jovens que sempre estão sendo muito exigidos (hiperuso). Porém, existem esforços intermediários, quando a força não é tão maior que a resistência, de modo que não chega a ocorrer ruptura verdadeira, mas simplesmente tração forte na inserção (reto abdominal) ou na origem (adutores das coxas) junto ao púbis. Daí porque sempre que exista dor peripubiana de natureza não muito evidente como aguda, impõe-se que se pense na possibilidade do estiramento com força intermediária, que traciona o periósteo pubiano e que, se não bem conduzido, poderá determinar manifestações crônicas. Nesses casos ocorre verdadeira reação inflamatória na junção do osso com a unidade musculotendínea.

Pela existência de vários tendões peripubianos, potentes e muito exigidos, a possibilidade de ocorrência de problemas é praticamente inevitável, em qualquer de seus níveis, desde a simples dor até a ruptura. É importante sempre saber-se valorizar e conduzir: a dor musculotendínea é o aviso e o alerta de que esta estrutura está sendo trabalhada próximo, muito próximo, do esgotamento e, portanto, sendo uma pré-lesão. A insistência desregrada será nefasta.


Fig. 2 - Formações ósseas peripubianas após lesões musculotendíneas por tração (distensão) em jogador de futebol, ocorridas em momentos diferentes.

No caso da pubialgia, esses esforços podem causar:

Estiramento do reto abdominal – Ocorre por extensão forçada e brusca do tronco para trás, causando súbita tração do reto abdominal. Ou, também, por sua contração forte contra resistência.

Ele insere-se fortemente no púbis, junto à sínfise.

Se o ponto fraco no momento é o dessa união, ocorrem no local: fratura-arrancamento de fragmento ósseo; arrancamento ou elevação do periósteo, com produção óssea imediata (fig. 2); ruptura tendínea justaperióstea; e simplesmente tração da inserção, sem ruptura.

Nos dois primeiros casos há destacamento ósseo. Instantaneamente, no caso do arrancamento ósseo. Ou tardio, quando a lesão acontece no periósteo. Pois nesse caso forma-se osso, tendo positividade radiográfica um mês ou mais após o acidente. Portanto, sempre é aconselhado fazer estudo radiográfico após estiramento do reto abdominal com manifestação clínica suprapubiana. Se há alguma imagem suspeita, aconselha-se incidência oblíqua craniocaudal de 30º ou, então, tomografia computadorizada. Se negativo, dois meses depois do traumatismo repete-se o estudo radiográfico.

As principais manifestações clínicas são: dor súbita suprapubiana (e até retropubiana) após esforço brusco por que-da para trás, com extensão dos quadris e lombar. Logo pode ocorrer tumefação local. Ou, então, um dia após. Existe hematoma e, muitas vezes, equimose – mais tardiamente, ou até imediato se o hematoma for muito grande.

Tratamento – Esse estiramento habitualmente não cria problema no futuro. Por isso, comumente não há necessidade de conduta radical.

Fazem-se as medidas comuns do estiramento: analgesia, repouso local, gelo e/ou calor, antiinflamatório (não necessariamente). Excepcionalmente, pode ser necessário corticóide local.

Porém, é indispensável o recondicionamento físico gradual e suave da estrutura comprometida, com aumento de sua resistência, por alongamento e melhora da força após qualquer estiramento. Isso deve começar o mais cedo possível, sem que cause qualquer sofrimento ao paciente.

Já nas lesões por hiperuso, o tratamento é: preferencialmente, o preventivo, ou seja, pelo aumento da resistência; para a lesão já estabelecida: repouso específico e dirigido, ou seja, da estrutura envolvida, em que ela é trabalhada em nível que não estimule o sofrimento. Isso até que se consiga a cura. Depois poderá e deverá ser gradativamente mais solicitada para aumentar sua resistência – semelhantemente ao da lesão aguda.

É o princípio fundamental no tratamento das lesões musculotendíneas. Os demais são complementares.

Assim, deve-se ainda considerar: termoterapia localizada (gelo e/ou calor) em qualquer de suas formas; analgesia; antiinflamatório (não é necessariamente obrigatório); em ca-sos rebeldes, pode-se pensar na infiltração de corticóide local, porém, no possível, evitar o tendão e realizar apenas uma vez ou, no máximo, duas; excepcionalmente, torna-se necessária a liberação cirúrgica.

Estiramento dos adutores da coxa – Qualquer um dos adutores pode ser estirado e, portanto, sofrer lesão, nos diferentes graus possíveis. Interessam, contudo, aqueles que estão mais próximos da sínfise pubiana, pois aí é onde surgem as principais dúvidas diagnósticas.

Assim, considera-se: adutor longo, gracilis, pectíneo, adutor menor e adutor maior (parte).

Para ocorrer o estiramento dos adutores (tanto o agudo, como o por hiperuso) necessita-se da solicitação com hiperextensibilidade, que acontece na abdução forçada da coxa, ou contração dos adutores contra resistência.

Semelhantemente ao exposto na lesão do reto abdominal, é possível haver no estiramento agudo: arrancamento ósseo (visto imediatamente pelo estudo radiográfico comum); arrancamento na junção mio (ou tendíneo)-óssea (forma-se ossificação, que será evidenciada radiograficamente um ou dois meses após) (fig. 2); ruptura tendínea; ruptura muscular; simplesmente tração da origem, sem ruptura.

Nesses quatro últimos casos a ecografia ou, então, a ressonância magnética nos serão úteis no diagnóstico do grau da lesão.

Se for junto à origem pubiana, a dor espontânea ou provocada se localiza sobre o púbis. É intensa e incapacitante, dificultando, inclusive, o caminhar.

A dor pode ser provocada por: palpação local; abdução forçada de coxa; e contração dos adutores contra resistência.

Muitas vezes, dificulta inclusive o caminhar. Mesmo nas lesões por hiperuso, a dor pode ser incômoda.

Tumefação é a regra na lesão aguda. Até mesmo o hematoma. Algumas vezes vê-se equimose na raiz da coxa e região adutora.

A conduta habitualmente é conservadora. Raramente, necessita de tratamento cirúrgico. Só se o fragmento ósseo for grande é aconselhável a intervenção imediata. A ruptura isolada de uma unidade musculotendínea não causa prejuízo funcional. Passando o período sintomático, tem atividade física livre.

Porém, a cirurgia poderá ser indicada também nas rupturas antigas em que haja rebeldia das manifestações clínicas às condutas habituais.

Nas lesões por hiperuso a conduta terapêutica é a indicada quando comentamos a do reto abdominal.

COMENTÁRIOS

Nos atletas que apresentam dor pubiana ou peripubiana devemos ser objetivos e não pensar inicialmente em hipóteses diagnósticas esdrúxulas. Pois, disparadamente, as lesões agudas mais comuns são: entorse sinfisiano, contusão e estiramento peripubiano. Já nas de instalação insidiosa (hiperuso) predominam as entorses – em mulheres que já tiveram gravidez – mas, sobretudo, os estiramentos (quer por força intermediária ou por repetição).

Para prevenir a ocorrência de pubialgia crônica é importante primeiro que se faça o diagnóstico correto. Para isso impõe-se tentar conhecer o mecanismo. E, ainda, saber se é agudo ou por repetição.

Após o diagnóstico, propor tratamento adequado. É muito importante ter o repouso específico e seletivo das estruturas comprometidas. Não há necessidade de imobilizar o atleta no todo. Mesmo no estiramento, após passar o período sintomático mais crítico, é possível, inclusive, trabalhar a unidade musculotendínea envolvida, mas sempre em nível baixo, sem forçar o local. Pois pela característica dos atletas, com a ânsia para retornar logo, freqüentemente executam trabalhos que forçam a lesão, dificultando sua cicatrização adequada. Passada essa etapa, logo inicia a preparação gradativa do músculo, tentando aumentar sua resistência e diminuindo a possibilidade de novas lesões.

Com esses cuidados o prognóstico é bom, de solução rápida, evidentemente que dependendo da gravidade da lesão.

REFERÊNCIAS


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Micheli, L.J.: Overuse injuries in children’s sports: the growth factor. Orthop Clin North Am 14: 337-360, 1983.

Morris, J.L., Berenter, R. & Kosai, D.K.: “Biomechanics of muscles skeletal diseases”, in Oloff, L.M.: Muscles skeletal disorders of the lower extremities, Philadelphia, Saunders, 1994. p. 65-82.

O’Donoghue, D.H.: “Strain”, in Treatment of injuries to athletes, Philadelphia, Saunders, 1984. p. 51-63.

O’Donoghue, D.H.: “Injuries of the pelvis and hip”, in Treatment of injuries to athletes, Philadelphia, Saunders, 1984. p. 406-432.

Ogden, J.A.: “Anatomy and physiology of skeletal development”, in Skeletal, injury in the child, Philadelphia, Lea & Febiger, 1982. p. 16

40.
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Richardson, E.D.: “Osteitis pubis”, in Crenshaw, A.H.: Campbell`s operative orthopaedics, St. Louis, Mosby, 1987. p. 1060-1062.

Spalteholz, W.: Atlas de anatomia humana, Barcelona, Editorial Labor, 1963.


Disponível em Revista Brasileira de Ortopedia
Autor:CELSO TELMO DOS SANTOS GOMES